Mahsa Amini, detida por alegadamente violar as leis do uso do hijab, morreu sob custódia da polícia religiosa do Irão. O incidente despertou tumultos contra o regime em várias cidades e universidades do país, que pediam, inclusivamente, a morte do Líder Supremo, Ali Khamenei.
Os protestos dos últimos dias, liderados sobretudo por mulheres, ocorreram em mais de uma dúzia de cidades iranianas, especialmente na capital, Teerão, e na zona do Curdistão, de onde a jovem de 22 anos era natural.
Na cidade de Saghez, no noroeste do país, várias mulheres chegaram a retirar e até a queimar os seus véus, em protesto contra a lei que obriga ao uso do hijab, enquanto exclamavam: "Morte ao ditador!"
Já no Teerão, as manifestações espalharam-se pela cidade e, especialmente, nas universidades, onde a liberdade de expressão era contida pelas ameaças de expulsão.
Os estudantes que saíram à rua prometem que vão "lutar e recuperar o seu país", cita o jornal "The New York Times".
As forças de segurança responderam com disparos, canhões de água, perseguições e espancamentos.
Mas na região do Curdistão, no noroeste do país, a ação policial viria a ser mais violenta e fatal.
Segundo a Rede de Direitos Humanos do Curdistão, desde o funeral de Amini, no passado sábado, já se registaram 200 detenções e 85 feridos, entre os quais três crianças. As forças de segurança também mataram quatro manifestantes.
As imagens que se seguem poderão ser perturbadoras para o leitor.
A morte de Mahsa Amini deixa à mostra muitas pontas soltas. A polícia alega que a jovem sofreu um ataque cardíaco, mas as acusações apontam para os golpes que sofreu na cabeça, no momento em que foi transportada numa carrinha para o centro de detenção.
Uma TAC realizada à vítima demonstra uma fratura óssea, uma hemorragia e um edema cerebral, o que confirmará as acusações de que a polícia religiosa é alvo.
A própria família diz que Mahsa era "perfeitamente saudável" e que as forças de segurança se recusaram a partilhar o relatório final da autópsia. Por outro lado, os familiares revelam também ter sido pressionados a sepultá-la a meio da noite e a manter o silêncio sobre a sua morte.
Ainda no passado domingo, o presidente do Irão, Ebrahim Raisi, falou com a família: “A sua filha é como a minha própria filha, e eu sinto que este incidente aconteceu a um dos meus entes queridos. Por favor, aceitem as minhas condolências”.
Por outro lado, a imprensa iraniana tem avançado que o chefe da polícia religiosa, o coronel Ahmed Mirzaei, terá sido suspenso. Contudo, o comandante da polícia do Teerão, Hossein Rahimi, desmente esta e outras informações que têm circulado sobre o caso.
"Não houve negligência por parte da polícia, nem sequer um pequeno deslize. Todas as acusações publicadas no ciberespaço sobre a causa da morte são pura mentira."
Momento George Floyd?
"Estamos a assistir a uma reação por todo o país, tal como aconteceu com George Floyd, num momento de consciencialização nacional que não pode mais suportar a violência da classe dominante sobre os cidadãos", diz Hadi Ghaemi, diretor executivo do Centro de Direitos Humanos do Irão, grupo esse sediado em Nova Iorque.
De facto, a morte de Mahsa Amini levou a uma onda de descontentamento mais abrangente e que tem vindo a crescer face ao regime islâmico, encabeçado pelo Líder Supremo Ali Khamenei. De acordo com o "The New York Times", estas manifestações refletem a frustração dos iranianos, face à opressão das autoridades e às dificuldades económicas.
Este tipo de situações, que se arrastam ao longo dos anos, contaram sempre com mortes, ferimentos e detenções por parte da polícia.
Neste preciso momento, a maioria dos protestos tem como alvo o governo do Irão. Os manifestantes estão contra o líder político e religioso, Ali Khamenei, e exigem a queda do filho, Mojtaba, que é visto como o eventual sucessor do pai no comando do país.
Na cidade de Rasht, a norte do Irão, pede-se a "morte do ditador": "Morte ao opressor, seja o Xá, seja o Líder Supremo!".
No entanto, neste caso, também se pede a extinção da polícia religiosa iraniana, a "Gasht-e Ershad" ("Patrulha de Orientação", numa tradução livre para português), que tem como missão preservar o código de vestuário permitido pelo regime.
Normalmente, esta patrulha organiza-se em equipas de homens que vigiam os espaços públicos, detendo as mulheres que desrespeitam o uso do hijab.
As mulheres que incorrem em tal infração são transportadas em carrinhas até ao centro de detenção, onde são repreendidas, sendo libertadas posteriormente, mas apenas na presença de um familiar do sexo masculino.
À luz dos acontecimentos recentes, até as vozes religiosas do país se têm insurgido. O maior líder Shia do Irão, Asadollah Bayat-Zanjani, condenou a morte de Mahsa Amini e a ação da polícia, que foi "contra a lei, contra a religião e contra o bom-senso".
"As mulheres no Irão devem ter o direito de usar o que quiserem"
As reações internacionais não tardaram em chegar. Um porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos diz tratar-se de uma "afronta terrível e flagrante aos Direitos Humanos".
"Tem de haver um responsável pela morte da Mahsa", acrescenta.
"As mulheres no Irão devem ter o direito de usar o que quiserem, livres de violência ou assédio. O Irão tem de acabar com o seu uso de violência contra as mulheres por exercerem as suas liberdades fundamentais".
A União Europeia corroborou a posição norte-americana, dizendo ser "imperativo que as autoridades iranianas garantam que os direitos fundamentais dos seus cidadãos sejam respeitados e que aqueles que se encontram sob qualquer forma de detenção não sejam sujeitos a qualquer forma de maus-tratos."