O procurador-geral da República (PGR) angolano afirmou esta sexta-feira que o processo cível que decorre contra o casal Isabel dos Santos e Sindika Dokolo está em curso e que para haver negociação terá de ser reconhecida a ilicitude dos atos.
Em declarações feitas esta sexta-feira em Luanda, Helder Pitta Grós rejeitou estar a decorrer qualquer negociação nesta altura no âmbito do processo cível em que foram arrestadas contas e participações sociais da empresária Isabel dos Santos, filha do ex-Presidente José Eduardo dos Santos, e em que o Estado angolano reclama perto de 2 mil milhões de dólares (1,7 mil milhões de euros).
“O processo cível está em curso e até ao momento não há nada que nos faça desistir da ação”, afirmou Pitta Grós, sublinhando que para haver negociação uma das partes tem de reconhecer que cometeu algum ato ilícito”, o que até agora não aconteceu, segundo o procurador-geral.
“Se ela quer negociar deve dizer que atos ilícitos cometeu para se fazer uma avaliação”, o que poderia levar o Estado angolano a deixar de ter interesse em deixar a ação cível chegar ao fim, acrescentou.
Helder Pitta Grós reforçou: “Se não quer que o processo prossiga, se entende que quer negociar, tem de dizer o que quer negociar e como”.
Sobre as alegações de Isabel dos Santos, que acusa os tribunais angolanos de lhe negarem justiça e forjarem provas, afirmando ser vítima de perseguição política, o PGR salientou que estão em causa “factos concretos”.
Helder Pitta Grós afirmou que o Ministério Público “tem feito o seu papel” e vincou que os advogados de Isabel dos Santos devem apresentar as pretensas “ilegalidades” junto dos tribunais, como o têm feito outros visados nos processos cíveis em curso.
“Ainda esta semana decorreram audiências de outros cidadãos portugueses, a quem os bens foram arrestados e que recorreram dessa decisão. Acredito que pode querer uma resposta mais urgente, mas os tribunais têm os seus princípios e irão dando resposta”, realçou o PGR.
Pitta Grós garantiu ainda que a justiça angolana não está a agir seletivamente, indicando que “há diversos processos” em curso e que não pode ser feito tudo ao mesmo tempo.
Dificuldades em notificar
O procurador admitiu ainda que está a ter dificuldades em notificar a empresária Isabel dos Santos, em Angola e noutros países, admitindo que a possibilidade de emitir um mandado de captura “está em aberto”.
“Em Luanda já foi notificada nos locais possíveis onde poderia ser contactada e não houve nenhuma resposta”, adiantou Helder Pitta Grós, numa conferência de imprensa hoje em Luanda.
“Neste momento não sabemos onde será o seu domicílio, nem profissional, nem onde vive e isso tem dificultado a sua notificação”, frisou.
O PGR disse que foram feitas também tentativas junto das suas empresas e que o mesmo foi solicitado a Portugal, sem sucesso, pelo que a emissão de um mandado “é uma hipótese que está em aberto”.
Segundo Pitta Grós este é um meio que serve para “fazer com que um cidadão se apresente à justiça para responder” num determinado processo.
“O que nós pretendemos é que ela se apresente à justiça para poder responder às acusações que lhe são imputadas”, o que não significa que a empresária, filha do antigo Presidente angolano José Eduardo dos Santos, fique presa, explicou.
“O primeiro objetivo é fazer com que se apresente à justiça”, reiterou o PGR, acrescentando que houve outros casos de cidadãos que foram detidos para ser interrogados e ouvidos e foram postos em liberdade, aguardando o desenrolar do processo.
Questionado sobre em que altura a Procuradoria-Geral da República irá deixar de tentar notificar Isabel dos Santos, optando por emitir um mandado de captura, Helder Pitta Grós respondeu que vão “verificar qual será o momento certo”.
O procurador-geral salientou ainda que a intenção de recuperação de todos os ativos que foram desviados do erário publico é “uma preocupação permanente”, pelo que as autoridades angolanas têm recorrido à cooperação internacional.
Isabel dos Santos é visada, em Angola, em processos criminais e cíveis em que o Estado angolano reclama mais de cinco mil milhões de dólares (4,4 mil milhões de euros).
O processo-crime partiu de uma denúncia do seu sucessor à frente da petrolífera estatal Sonangol, Carlos Saturnino, relativa a transferências monetárias alegadamente irregulares durante a gestão de Isabel dos Santos.
Além da filha do antigo Presidente angolano, são também arguidos Sarju Raikundalia, ex-administrador financeiro da Sonangol, Mário Leite da Silva, gestor de Isabel dos Santos, e presidente do conselho de administração do BFA, Paula Oliveira, amiga de Isabel dos Santos e administradora da NOS, e Nuno Ribeiro da Cunha, gestor de conta de Isabel dos Santos no EuroBic, que morreu em janeiro.
A empresária viu também as suas contas bancárias e participações sociais serem arrestadas em Portugal e em Angola.
Isabel dos Santos tem sempre afirmado a sua inocência, acusando a justiça angolana de forjar provas, e diz ser vítima de perseguição política.
Em dezembro de 2019, o Tribunal Provincial de Luanda decretou o arresto preventivo dos bens de Isabel dos Santos, de Sindika Dokolo, seu marido, e do gestor Mário Filipe Moreira Leite da Silva, na altura presidente do conselho de administração do Banco Fomento de Angola (BFA).
Foram também alvo de arresto nove empresas nas quais a empresária detém participações sociais, entre as quais a cervejeira Sodiba, a Condis, detentora da rede de hipermercados Candando, a operadora de televisão Zap Media e a cimenteira Cimangola.
Em janeiro, o Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação revelou também mais de 715 mil ficheiros, sob o nome de “Luanda Leaks”, que detalham alegados esquemas financeiros de Isabel dos Santos e do marido, que lhes terão permitido retirar dinheiro do erário público angolano através de paraísos fiscais.