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A mesa de voto nº6 da União de Freguesias Barreiro e Lavradio fechou entre as 13h00 e as 14h00, durante as eleições presidenciais deste domingo. Quem se deslocou para votar naquela hora, não o pôde fazer e teve de esperar pela reabertura. A abstenção no município do distrito de Setúbal foi de mais de 47%.
Ângela Guerreiro, advogada de 35 anos, estava na fila para votar há 20 minutos, quando, segundo conta à Renascença, reparou que havia vários cartazes afixados a informar que aquela secção ia encerrar das 13h00 às 14h00.
Às 13h00, e quando estavam cinco pessoas na fila para votar, um funcionário da junta de freguesia disse que as três primeiras poderiam votar e que as outras teriam de voltar depois das 14h00.
“Achei que enquanto estivessem pessoas na fila não fossem encerrar. Fiquei na fila”, lembra.
A justificação era de que estavam apenas três elementos, e não os cinco que a regra aponta. “A razão era terem menos pessoas e necessitarem de encerrar na hora de almoço”, sublinha Ângela.
A advogada protestou juntamente com a outra pessoa que não poderia votar, o funcionário da junta foi conferenciar com o presidente da mesa “que voltou a reiterar a medida”. “Foi-nos dito que tínhamos de voltar depois das 14h00”, explica.
A revolta e a insistência, levou a que fosse encontrada uma solução. As cinco pessoas poderiam entrar. Ficariam distribuídas pela sala de forma a manter o distanciamento social, mas depois a porta fechou.
Absolutamente ilegal
Confrontado com este caso, o porta-voz da Comissão Nacional de Eleições (CNE), João Tiago Machado, disse não ter conhecimento do mesmo, mas que a confirmar-se é “absolutamente ilegal”.
“A haver essa queixa e confirmando que é verdade, os membros de mesa deverão prestar os devidos esclarecimentos para perceber o que se terá passado”, esclarece à Renascença, acrescentando que a lei diz que as urnas devem funcionar desde as 8h00 ate às 19h00, “e as pessoas que estão na fila votam” mesmo depois do fecho.
Machado reitera que, mesmo sendo só três elementos na mesa de voto, apenas se um deles “teve um problema gravíssimo e tivesse de ir para o hospital”, é que se poderia suspender a votação. Agora, “se estão três e têm que ir almoçar, é completamente ilegal”.
Autarquia diz que a decisão foi do CNE
Uma versão diferente apresenta o presidente da autarquia do Barreiro, Frederico Rosa, que defende que apesar de não ter conhecimento da situação em concreto, “sei que estava prevista em mesas que tinham três pessoas, ao invés das cinco que são normais”. E refere ainda que a solução foi defendida pelo CNE.
O autarca revela que “muita gente estava inscrita, mas por causa do confinamento ficou impedida de estar presente na mesa”.
“Logo de manhã, em ligação com a CNE, para despistar uma série de questões que pudessem ter ocorrido, essa era uma das indicações para estas eleições. Em mesas que tenham só três elementos, ao invés das cinco, as mesmas não podem funcionar com menos de três pessoas”, referiu.
Rosa diz ainda que quando a votação se inicia “já não se pode colocar pessoas de outras mesas naquela mesa”. “Por isso, o regulamento diz que são suspensos os trabalhos pelo período estritamente necessário para as pessoas efetuarem a refeição”.
O presidente da Câmara do Barreiro reitera ainda que no próprio regulamento eleitoral, esta é uma solução prevista. “Penso que a situação não terá sido virgem em todo o país. As mesas não podem funcionar com menos de três pessoas”, sublinha.
O mesmo Frederico Rosa disse à Renascença que, na sua opinião pessoal, até “faria mais sentido alocar pessoas que estivessem noutras mesas aquela mesa”. Mas isso, explica, não é possível.
50 minutos de suspensão
Carla Filipe é jurista e o elemento da autarquia do Barreiro que confirma que de facto houve uma suspensão dos trabalhos daquela mesa por 50 minutos.
Revelou ainda que a presidente da mesa em causa colocou, logo de manhã, “essa questão, porque não conseguiram constituir a mesa com os cinco elementos que eram necessários”.
“Em termos legais, pode-se constituir a mesa com três elementos. Informamos junto da CNE que a mesa poderia suspender os trabalhos por um período de tempo, o mais reduzido possível, para efeitos de alimentação. Essa orientação foi dada pela própria CNE”, explicou.
Questionada se os eleitores que votam naquela mesa foram avisados, a mesma responsável da autarquia disse não saber.
“Apenas entre as 7h00 e as 8h00 é que temos conhecimento que as mesas não estão constituídas. Porquê? Ou não temos bolseiros, ou depois de contatados não vieram para as mesas porque estavam em confinamento”, explicou.
Carla Filipe passou toda a responsabilidade da decisão para a CNE. “Se funcionou de forma ilegal, a CNE decidirá isso”, considerou.
Ângela Guerreiro, que foi apanhada por esta situação inesperada, não escondia a revolta. “Achei absolutamente aviltante, isto estava a ser entendido como um atendimento ao público e não é um atendimento ao público. É um exercício de um dever eleitoral, não conheço regras legais que admitam esta possibilidade”, frisou.
Por fim, a jurista olha para o momento atual da pandemia e remata: “Estávamos numa exceção de um dever de confinamento, e esta situação pode ter obrigado muitos a sair outra vez de casa”.