Mais de uma década depois, Catarina Martins abandona a coordenação do Bloco de Esquerda. No discurso de despedida, na XIII Convenção Nacional do BE, no pavilhão do Casal Vistoso, em Lisboa, aponta às novas gerações, ao futuro do partido e ainda deixa duras críticas ao PS.
Num dos momentos mais difíceis da história do partido, assume que a derrota das últimas legislativas foi pesada, mas deixa uma garantia: não se arrepende de ter chumbado o Orçamento de Estado que provocou as eleições antecipadas de 2022.
"É certo que a derrota eleitoral do ano passado deixou feridas, mas volto a dizer o que já me ouviram [dizer]: não nos arrependemos da coerência. Fizemos o que tínhamos de fazer e voltaríamos a fazer o mesmo enfrentamento com o Governo nos orçamentos a propósito da saúde e dos direitos laborais."
A ainda líder bloquista frisa que o partido "respeita quem tinha votado no Bloco e que, por medo da direita ou por preferir uma maioria absoluta, apoiou o PS há um ano". No entanto, garante que irá sempre preferir o "cuidado que a democracia deve ao SNS ou ao direito de quem trabalha" do que "escolher a conveniência partidária".
"Que ninguém se engane sobre quem somos e como somos", salienta.
Catarina Martins garantiu que o BE escolhe e continuará a escolher "a coerência e o compromisso com soluções que salvam vidas, que ajudam quem está doente, que dão ao pobre e ao remediado a garantia de que não deve ser cuidado nos nossos hospitais públicos de forma diferente da pessoa mais poderosa do mundo".
"E se assim fazemos é porque respeitamos sempre o nosso mandato. Temos um compromisso com o povo e é por isso que somos esquerda de confiança", acrescenta.
"PS com maioria absoluta achou que chegara o seu momento cavaquista"
Ao longo do discurso, a coordenadora cessante recorda com orgulho os tempos de "geringonça" e tece críticas à governação socialista.
A ainda líder do BE aponta ainda que o executivo de António Costa quis uma "política no avesso da esquerda" e que a viragem socialista à direita faz lembrar os tempos de maioria absoluta de Cavaco Silva: "Todos estes problemas estruturais foram agravados porque o PS, com maioria absoluta, achou que chegara o seu momento cavaquista".
Para Catarina Martins, o PS pode "vitimizar-se", mas deixou claro que "não foram a covid e a guerra que criaram as dificuldades atuais", nem "nenhuma oposição que criou qualquer dos problemas que os ministros inventam".
"E assim se entretém uma degradação da vida pública, em que o PS se tornou o padrasto de todo o populismo."
"Estou grata pelo privilégio destes últimos 11 anos e pelo que mais virá"
Tratando-se de um discurso de despedida, Catarina Martins não podia deixar de recordar "a camaradagem, a convicção, o debate franco, a luta ombro a ombro" ao longo de mais de uma década como coordenadora do Bloco de Esquerda.
"Permitam-me que hoje vos diga o quão grata estou pelo privilégio de ter seguido convosco no caminho destes últimos 11 anos e pelo que mais virá", confessa a ainda líder bloquista.
Recordando a "enorme generosidade" de Francisco Louçã, que a antecedeu na liderança do partido, a coordenadora do BE enalteceu ainda Luís Fazenda e Fernando Rosas.
"De formas diversas, reinventaram a sua intervenção no Bloco e ensinaram-nos que as gerações não se atropelam, nem se substituem. As gerações no BE reforçam-se, acrescentam-se", enfatizou.
Um dos mais orgulhos de Catarina Martins é a promulgação da lei de despenalização da morte medicamente assistida.
"Não é o único legado que nos deixa, longe disso, mas esta particular combinação de exigência e tolerância é a Lei João Semedo. E Portugal deve agradecer-lhe a generosidade com que se dedicou a esta causa como ao SNS até ao último dos seus dias."
A XIII Convenção Nacional do BE decorre no pavilhão do Casal Vistoso, em Lisboa, até este domingo, 28 de maio. Entre outras questões, em cima da mesa está a eleição da nova liderança do partido, á qual Mariana Mortágua surge como favorita.