O primeiro-ministro britânico, David Cameron, e os restantes líderes comunitários chegaram, esta sexta-feira, a um acordo para tentar evitar o chamado "Brexit" e manter o Reino Unido na União Europeia (UE).
Cameron pretende recuperar soberania e alinhar menos com a integração europeia. Fará campanha pelo “sim” no referendo sobre a manutenção do Reino Unido no bloco comunitário, que deverá ter lugar até finais do próximo ano.
Mas mesmo com este acordo entre Londres e as restantes capitais europeias, nada garante que uma maioria de britânicos vote a favor da continuação na UE. Se o país sair da União Europeia (o já célebre “Brexit”), as consequências são imprevisíveis – ninguém sabe ao certo o que vai acontecer, nem qual o impacto económico dessa ruptura. Também politicamente as ondas do choque são difíceis de prever.
O PIB desce ou sobe?
Todo o processo está marcado pela incerteza e pelo risco. Primeiro, em relação ao resultado do referendo: as sondagens são incertas, qualquer dos lados pode vencer. Depois, porque a saída de um país da UE é algo inédito, logo difícil de calcular – há análises para todos os gostos. Finalmente, porque tudo dependerá da futura relação que, em caso de saída da União, o Reino Unido estabeleça com os antigos parceiros.
O impacto do “Brexit” poderá oscilar entre uma quebra de 2,2% do PIB do país (em 2030) até um aumento de 1,6% do PIB, em função dos acordos comerciais que o Reino Unido negociar com outros países e do grau de desregulação da economia que o governo estiver disponível para fazer, de acordo com um estudo do Open Europe. Mas este centro de investigação internacional, favorável a uma reforma da UE, sublinha que os números mais realistas apontam para uma fasquia situada entre -0,8% do PIB e +0,6% do PIB, variação que depende da futura política de acordos comerciais do país.
Um estudo de investigadores do Centre for Economic Performance, da London School of Economics and Political Science, aponta para uma perda em termos de PIB de entre 1,23% (cenário optimista) até 9,5% (pessimista), no caso de “Brexit”.
Outro estudo, da fundação alemã Bertelsmann Stiftung, calcula uma redução do PIB ‘per capita’ de entre cerca de 0,6% e 3%, em 2030, dependendo das relações comerciais que o país estabelecerá. O impacto nos parceiros europeus, sendo menor, terá sempre efeitos, sobretudo devido aos intensos laços comerciais entre o Reino Unido e alguns países (como a Irlanda, Luxemburgo, Bélgica, Suécia, Holanda, Malta e Chipre).
Os defensores da Europa no Reino Unido afirmam que pertencer à UE facilita o acesso aos mercados, atrai investimento e garante mais de três milhões de postos de trabalho. Já os antieuropeístas, como o UKIP, negam que o país perca tantos empregos.
Se o “Brexit” se concretizar será um problema para o orçamento comunitário. O Reino Unido deixará de contribuir para o orçamento – em 2014, por exemplo, contribuiu com cerca de 11,3 mil milhões de euros. Para compensar, os outros Estados-membros da UE deverão aumentar a sua contribuição ou receber menos da Europa.
Comércio, serviços financeiros e regulação
Negociar a saída será provavelmente um processo moroso e complexo. É impossível dizer quanto tempo poderá demorar. Dois, cinco, dez anos?
Ao mesmo tempo, o Reino Unido deverá estabelecer uma nova relação comercial com a UE. Que tipo de acordo será? Que sectores vai abranger? Sem barreiras tarifárias? Esta é uma das questões mais importantes para o futuro das exportações britânicas: saber que tipo de acesso o país consegue ao mercado interno e aos mais de 430 milhões de consumidores da UE.
Há ainda ter em conjunto as regulações e os padrões industriais e ambientais, que serão diferentes de um lado e do outro da Mancha, o que pode implicar custos e entraves à actividade económica.
É certo que um governo britânico fora do bloco comunitário teria liberdade de negociar os acordos comerciais que entendesse, de acordo com os seus interesses. No entanto, o peso externo do Reino Unido numa negociação será sempre menor, comparado com o que tem dentro da UE. Por sua vez, o bloco europeu perderá um membro de referência no comércio internacional.
Se no comércio o impacto do “Brexit” é incerto, o mesmo se pode dizer em relação à City de Londres. A principal praça financeira da Europa, onde estão serviços financeiros, seguros e bancos, deverá manter esta posição de topo, devido à reputação e quantidade de serviços que oferece. Já o tipo de relação com os restantes parceiros no continente é uma incógnita. Estudos apontam para maiores dificuldades no acesso aos mercados dos antigos parceiros e aumento dos custos dos serviços.
Choque político
Politicamente, a União Europeia sem o Reino Unido perde peso no mundo. O país tem um dos melhores exércitos e serviços de informação, dispõe da arma nuclear e é membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. Possui ainda uma das melhores diplomacias.
Por outro lado, se os britânicos preferirem ficar de fora, a UE poderá vir a reforçar a sua coesão com Estados-membros a decidirem avançar na integração europeia. No entanto, um bloco comunitário reforçado, mas sem o Reino Unido não parece ter tanto peso na cena internacional.
No caso de um “Brexit”, há observadores que admitem que outros Estados-membros vão seguir o Reino Unido, com ou sem referendo. Num momento em que a UE e os 28 enfrentam uma vaga de populismo e cepticismo, a braços com várias crises em simultâneo, o “Brexit” terá ondas de choque difíceis de prever.
[notícia actualizada às 23h26, de 19 de Fevereiro]