A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa validou 290 testemunhos em três meses, tendo enviado ao Ministério Público 16 casos. A informação foi avançada em conferência de imprensa, esta terça-feira.
Menos de sete testemunhos recebidas pela comissão foram considerados inválidos, por conterem insultos ou dados incoerentes.
Segundo o coordenador da comissão, Pedro Strecht, mais de metade dos casos revelam um número possível ou altamente provável de muito mais vítimas. “Todos os casos estão a ser avaliados individualmente para triar casos que possam ser investigados pelas autoridades civis, em articulação com o Ministério Público.”
As vítimas são homens e mulheres, entre os 13 e os 88 anos (ou seja nascidos entre 1934 e 2009), mas, de acordo com Ana Nunes de Almeida, socióloga da comissão independente, existem mais vítimas do sexo masculino.
De acordo com o perfil traçado, os testemunhos chegaram de todas as regiões do país e englobam pessoas com vários níveis de instrução.
As idades em que aconteceu o primeiro abuso sexual variam entre os dois anos e os 17, segundo avançou Ana Nunes de Almeida.
“Encontrámos todas as modalidades de abuso que contemplávamos no guião do inquérito, desde a exibição, manipulação, penetração, recolha de imagens do corpo, isoladamente ou em situação de abuso, envio de mensagens escritas por telemóvel”, descreveu.
Foi o juiz jubilado Álvaro Laborinho Lúcio, jurista nesta comissão, que revelou o envio para o Ministério Público 16 casos de abuso.
Pedro Strecht adiantou ainda que, no fim do estudo, "toda a listagem, incluindo os [casos] que estão prescritos serão enviados ao Ministério Público e à Conferência Episcopal Portuguesa". E garantiu: "Não será nunca a comissao a pôr na praça pública nem os nome das vítimas, nem de alegados abusadores."
Ana Nunes de Almeida avançou que a comissão fez pedidos de entrevista aos 21 bispos portugueses, mas, até momento, apenas 12 deram ou aceitaram reunir com os especialistas e “cinco não responderam, de todo”.
Pedro Strecht revelou ainda que o grupo de trabalho tem uma “equipa científica” a trabalhar na consulta aos arquivos da Igreja. Esta equipa é coordenada por Francisco Azevedo Mendes, da Universidade do Minho, e deverá desenrolar o seu trabalho nos “próximos meses”.
Desde a sua constituição, a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra Crianças na Igreja Católica estabeleceu novos contatos com estruturas e instituições. Assim, além das comissões diocesanas, do Instituto de Apoio à Criança e da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, este grupo de trabalho refere ter contactado também a Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens, institutos religiosos de Portugal, Associação Quebrar o Silêncio, Sistema de Proteção e Cuidado de Menores e Adultos Vulneráveis (inserido no Serviço de Escuta dos Jesuítas).
Esta comissão foi criada por iniciativa da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), no fim do ano passado, integra, além do médico Pedro Strecht, o psiquiatra Daniel Sampaio, o juiz conselheiro e antigo ministro da justiça Laborinho Lúcio, a socióloga Ana Nunes de Almeida, a assistente social e terapeuta familiar Filipa Tavares, e ainda a cineasta Catarina Vasconcelos. Tal como há um mês, data em que foram disponibilizados os meios de denúncia, a comissão sublinha a intenção de “dar voz ao silencio”, apelando a que as vítimas deem o seu testemunho e garantindo-lhes total anonimato.