O confinamento está a dar resultado – os internamentos e as mortes por covid-19 têm vindo a diminuir. Mas seria suicida baixar os braços antes de tempo, o que significa que o confinamento será longo. Um mal necessário que agrava as condições económicas e sociais dos mais pobres e de muitos que eram remediados, mas se encontram agora numa situação de pobreza radical.
A comunicação social tem sido importante a revelar casos de miséria que, de outro modo, seriam provavelmente ignorados pelas autoridades. Por exemplo, lia-se na manchete do jornal “Público” de segunda-feira: “Há zonas do país onde o apoio alimentar do Estado já não dá resposta” – apesar dos esforços de tantos autarcas, acrescento eu. Recordem-se, também, os frequentes alertas da Renascença para situações de pobreza, incluindo de pessoas que têm vergonha de pedir ajuda para sobreviverem.
Por outro lado, os media também nos fazem chegar notáveis e variadas iniciativas de solidariedade à escala local, o que mostra que a nossa sociedade civil, considerada fraca, se mobiliza quando é preciso ajudar quem precisa. Mas também há que reconhecer que os pedidos de auxílio, ou de mais auxílio, são tão numerosos que é quase impossível dar-lhes, a todos, respostas cabais. Aqui importa distinguir aqueles que têm porta-vozes no espaço público – sindicatos, associações, entidades representativas de certas profissões, etc. – dos outros, os que não têm voz e por isso são ignorados. Ora é muito difícil estabelecer regras de apoio à maioria dos ignorados, pois são muito diversas as situações em que cada um se encontra.
Constantemente surgem novos apelos para que o Estado auxilie este ou aquele grupo, que a pandemia manteve ou levou à pobreza. E há apelos que fazem sentido, sobretudo quando não partem dos atingidos pela pobreza. É o caso de um ofício enviado pela Provedora de Justiça Maria Lúcia Amaral ao Governo, alertando para situações em que o teletrabalho é incompatível com o cuidado de menores de 12 anos e recomendando a extensão do apoio a estes pais ou a possibilidade de as crianças irem à escola, como acontece com os filhos dos trabalhadores dos serviços essenciais.
Maria Lúcia Amaral é provavelmente a alta dirigente do Estado mais respeitada no país. No horrível caso do ucraniano assassinado nas instalações do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, no aeroporto de Lisboa, a Provedora de Justiça foi a única pessoa que se portou dignamente. Mais uma razão para acolher o seu alerta e a sua proposta.
Esta iniciativa da Provedoria de Justiça surge na sequência de várias queixas de docentes do ensino público e trabalhadoras de call centers que que têm em comum “a circunstância de os queixosos terem a seu cargo filhos ou outros dependentes menores de 12 anos, alguns com meses de idade, cuja assistência devida e necessária fica manifestamente afectada” no regime de teletrabalho. No fundo, trata-se de defender direitos fundamentais dos trabalhadores, como o direito à conciliação da vida profissional com a vida familiar, o direito à proteção da família como elemento fundamental da sociedade e o direito à parentalidade, de modo a realizar os interesses das crianças.
Este é apenas um caso, naturalmente. Mas parece ser um caso relevante.