Cavaco Silva. "Portugal caminha para ser a 'lanterna vermelha' dos países da zona euro"
15-04-2019 - 07:00
 • Graça Franco

O antigo primeiro-ministro e ex-Presidente da República volta a alertar para o ritmo lento do crescimento de Portugal, que vai perdendo lugares na tabela europeia do desenvolvimento. Neste quadro, exige resposta à pergunta: "Porque cresce Portugal tão pouco?" Numa entrevista à Renascença, a primeira de um conjunto de entrevistas sobre a Europa, a propósito das eleições europeias de 26 de maio, Cavaco Silva fala também do Brexit, confessando que vê a democracia britânica de hoje com "desilusão total".

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Cavaco Silva diz, em entrevista à Renascença, a primeira de um conjunto de entrevistas sobre a Europa, a propósito das eleições europeias de 26 de maio, que amanhã, já é tarde para apoiar a natalidade e nota que a reforma pode chegar aos 80 anos, se a esperança de vida continuar a aumentar.

Cavaco Silva não parece preocupar-se demasiado com as previsões pessimistas que falam do abrandamento da economia. A desilusão com o Brexit é, sobretudo, política. A Europa, diz, está muito melhor preparada para enfrentar uma crise e o euro é um orgulho para os europeus.

Num ponto, contudo, o antigo primeiro-ministro e ex-Presidente da República exige resposta e apela a uma reflexão sem preconceitos: porque cresce Portugal muito menos, mas muito menos do que os países do mesmo pelotão, estando cada vez mais perto de ser a lanterna vermelha da zona euro?

Um dos problemas da Europa é o seu envelhecimento. Portugal não é excepção, pelo contrário, somos um dos países mais envelhecidos. Acaba de ser conhecido um estudo sobre a insustentabilidade da Segurança Social nos próximos 50 anos se, entretanto, não forem adoptadas medidas. Uma delas aponta para o aumento da idade da reforma para os 69 anos. Pergunto-lhe se lhe parece que, de facto, o estudo vem ao encontro de uma inevitabilidade?

Não me surpreende a conclusão do estudo. Estou, neste momento a ler um livro que se chama “Uma vida de 100 anos” em que a previsão para a vida média de um cidadão, nascido em 2007, é de 104 anos, com uma probabilidade de 50%. Se for no Japão, a esperança de vida para um cidadão, com a mesma probabilidade de 50%, é de 107 anos.

Isso vai alterar totalmente o percurso de vida de uma pessoa, que neste momento passa por uma fase de educação, uma fase de trabalho e uma fase de reforma. No futuro, existirão mais ciclos de actividade na vida. A previsão é de que, daqui a não muitos anos, mas com certeza depois de 2030, as reformas passem a situar-se e um nível bastante superior aos 65 anos que até aqui se conheciam. Fala-se mesmo que, perto de 2050, as reformas passem a situar-se não muito longe dos 80 anos.

Por isso eu digo que não me surpreende a conclusão do estudo.

Há muitos especialistas que dizem que, em vez de prolongarmos a idade da reforma, poderíamos substituir a queda da população activa pela maior entrada de emigrantes de países onde a esperança de vida é muitíssimo menos. Concorda com esta tese?

Para alguns países, como a Alemanha, como a Irlanda, como a França, o Reino Unido, a captação de talentos de outros países tem sido utilizada para cobrir uma falta de técnicos profissionais nalgumas áreas. Mas Portugal não tem capacidade para remunerar de forma suficiente para atrair os profissionais de que venha a necessitar.

Por outro lado, não acredito que os refugiados que estão a chegar à Europa possam resolver o problema de Portugal, não só porque não estamos numa rota dos emigrantes, mas também porque muitos, quando chegam aqui, tentam depois escapar-se para países como a Alemanha, a França ou os países nórdicos. Isto é, o nosso problema tem que ser resolvido através de uma política muito forte de apoio à natalidade. Políticas que sejam capazes de convencer os casais a terem mais filhos. Tem que ser esse o caminho para um país como Portugal.

E ainda vamos a tempo de tentar esse tipo de medidas?

Não podemos é perder mais tempo. É melhor começar já do que esperar por amanhã.

Esta semana também se deu um passo em direcção ao Brexit (não sei se um passo a frente se um passo atrás) com a concessão à Grã-Bretanha do terceiro adiamento, agora até 31 de Outubro. Como é que viu este terceiro adiamento?

Eu preferia que o Reino Unido continuasse a ser um membro de pleno direito da União Europeia. Mas, por tudo a que assisti nos últimos tempos - e também porque enquanto primeiro ministro durante dez anos assisti a algumas atitudes britânicas em que estavam com um pé dentro e um pé fora - penso que agora é melhor que o Reino Unido saia da União Europeia.

Como sabe, vivi durante alguns anos em Inglaterra e este era o último país onde imaginaria ser possível suceder um caos político como aquele que está neste momento instalado. Os membros do Parlamento (a Câmara dos Comuns) conseguem entender-se sobre aquilo que não querem, mas não conseguem entender-se sobre aquilo que querem. Portanto, o Reino Unido vai ter que chegar a uma situação em que, ou sai de uma forma “bruta”, como se costuma chamar, ou, então, há um acordo para aceitarem o texto de saída já anunciado [por T. May] e que será impossível de alterar. Neste momento, o melhor é não fazer qualquer previsão e esperar para ver o que a senhora primeira ministra consegue resolver até ao dia 22 de Maio. Depois, temos esta situação de poderem ocorrer eleições para o Parlamento Europeu num país que votou a favor da saída, o que é uma certa humilhação para aqueles que defendem uma saída “forte”, “bruta” da União Europeia. Não se pode fazer previsões, face a tudo o que já aconteceu…

Para o Senhor Presidente está excluída a hipótese de poder ocorrer a retirada do Artigo 50?

Eu acho que não se pode excluir nada, mas o que a primeira ministra diz é que quer que o Reino Unido saia da União Europeia. Não se pode fazer, neste momento, previsões, até porque as diferentes hipóteses de relações futuras discutidas na Câmara dos Comuns foram todas rejeitadas. Eu sempre vi, na democracia britânica, um exemplo. Tinha um enorme gosto no funcionamento daquela democracia e agora é uma desilusão total.

Disse que Portugal não será um dos países mais afectados pelo Brexit. Contudo, a senhora Lagarde, numa entrevista recente à RTP, disse que tínhamos de ter cuidado com o regresso dos nacionais britânicos que estão em Portugal. Esse argumento…

Não me convence. Portugal não será dos países mais prejudicados com a saída do Reino Unido da União Europeia. As nossas exportações de bens para o Reino Unido são menos de 3%. O turismo é importante, mas eu penso que o turismo depende mais da depreciação da libra esterlina do que das facilidades que resultam de um Brexit suave. Portugal não está na situação de uma Holanda, de uma Bélgica, de uma Irlanda. Para esses países, a saída sem um acordo do Reino Unido da União Europeia é um verdadeiro choque assimétrico, atingindo-os de uma forma muito forte. Portugal não será atingido mais do que a média da União Europeia e, provavelmente, até o será menos.

Com esse choque mais ou menos reduzido, dizia, a 21 de Fevereiro, que não o escandalizaria que Portugal, seguindo na mesma linha económica que tem seguido, acabasse, dentro de alguns anos, como “lanterna vermelha” da zona euro. Neste momento, só temos a Estónia e a Grécia abaixo de nós. O que é possível fazer para o evitar?

A presença de Portugal na União Europeia é benéfica para o nosso desenvolvimento. Desde logo, porque recebemos fundos estruturais e investimento numa dimensão significativa. O quadro que está em vigor, que vai desde 2014 a 2020, tem transferências e apoios ao desenvolvimento em Portugal de 25 mil milhões de euros. Por outro lado, também é muito importante termos acesso livre a um mercado de mais de quinhentos milhões de cidadãos na Europa e podermos beneficiar de todos os apoios que resultam da presença na zona euro e, portanto, de todos os apoios do Banco Central Europeu. Mas essa presença nossa na UEM não impede que os Governos possam cometer erros, o que sucedeu com um Governo que tomou políticas erradas e que nos levou à situação de quase bancarrota do país, em princípios de 2011.

Neste momento, quanto a mim, a questão-chave que se coloca à economia portuguesa é a seguinte: porque é que países do leste europeu estão a ultrapassar Portugal em termos de desenvolvimento? Porque é que Portugal está a crescer menos do que países como a Espanha, do que Chipre e do que a Irlanda, países que também estiveram sujeitos a programas de ajustamento? Porque é que as previsões de crescimento da Grécia são superiores a Portugal?

É muito interessante e elucidativo olhar às taxas de crescimento dos diferentes países que foram, agora, divulgadas pelo FMI. Se olhar às taxas de crescimento de Portugal e dos países da zona euro que fazem parte do nosso pelotão - que são a Estónia, Letónia, Lituânia, Eslovénia, Eslováquia e Grécia - verifica-se que a taxa de crescimento de Portugal é muito inferior à de todos esses países. Mas não é de uma décima nem de duas décimas. É muito, muito inferior.

E qual é a resposta?

Até me espanta um pouco que a própria imprensa económica não tenha notado isto. São previsões. E espero que, eventualmente, não se concretizem, mas, se se concretizarem, Portugal dá mais um passo que, como eu disse, pode fazê-lo chegar a ser a “lanterna vermelha” dos 19 países do euro. Já fiz algumas referências que podem influenciar a situação em que nós nos encontramos, como opções erradas feitas no domínio fiscal, opções erradas no domínio da despesa pública, a baixa produtividade de Portugal, a falta de investimento que está ainda muito aquém da trajectória que tinha antes de 2011... Acho que este deve ser o tema central do debate entre as forças políticas em Portugal: porque é que estamos a caminhar para ser a "lanterna vermelha" em termos de desenvolvimento, em termos de rendimento per capita dos países da zona do euro

Disse que se queria “redimir” de algumas críticas que considerava injustas feitas aos políticos que enfrentaram a crise de 2011. Penso que se estava a referir à espiral recessiva…

Não. Disse que queria redimir-me das críticas que fiz a difíceis decisões ou a adiamento de decisões que, nessa altura, foram tomadas pelos lideres europeus. Fiz algumas críticas a atrasos, tensões, a decisões que me pareceram menos correctas, tomadas na União Europeia, mas agora tenho que reconhecer que foram muito corajosos ao levar por diante a união bancária, o aumento e a partilha de soberania na zona da moeda, na zona da politica monetária, da política cambial, na zona da política externa, no domínio do orçamento, da defesa e segurança.

Porque trata-se de uma negociação entre um elevado número de países, cada um com os seus interesses. Países do norte, do centro e do sul, repúblicas e monarquias, onde estão social-democratas, onde estão partidos populistas, eurocépticos, socialistas, ambientalistas... E eles conseguiram chegar a acordo para que a Europa, e em particular a zona euro, seja neste momento uma zona de partilha de soberania, em algumas áreas que são sagradas da soberania nacional em que nunca pensei que fosse possível. A União Europeia e a zona euro é um caso extraordinário na história secular da Europa e do Mundo. Nada semelhante com a grandeza da União Europeia alguma vez existiu.