O Papa Francisco critica duramente a indiferença do mundo perante o continuado drama dos refugiados e desafia a olhar nos olhos as crianças refugiadas para que sejam tomadas medidas de solidariedade que garantem um futuro melhor para todos.
Em visita ao campo de refugiados da ilha grega de Lesbos, Francisco recordou que esteve no mesmo local há seis anos mas que desde essa altura pouco ou nada mudou.
“Passaram-se cinco anos desde a visita que aqui fiz com os queridos Irmãos Bartolomeu e Jerónimo. Depois de todo este tempo, constatamos que pouca coisa mudou na questão migratória”, lamentou o Papa.
Depois de agradecer ao esforço de todos, incluindo governos, que trabalham de facto para ajudar a melhorar as condições destes migrantes, Francisco notou que “Com amargura, porém, temos de admitir que este país, à semelhança de outros, continua sob pressão e que, na Europa, há quem persista em tratar o problema como um assunto que não lhe diz respeito. E quantas condições indignas do homem! Quantos pontos de triagem onde migrantes e refugiados vivem em condições que estão no limite da suportação, sem se vislumbrar no horizonte qualquer solução! E todavia o respeito pelas pessoas e pelos direitos humanos, especialmente no continente que não deixa de os promover no mundo, deveria ser sempre salvaguardado e a dignidade de cada um deveria ter prioridade sobre tudo.”
“É triste ouvir propor, como solução, o uso de fundos comuns para construir muros. Claro, compreendem-se os medos e inseguranças, as dificuldades e perigos. Fazem-se sentir o cansaço e a frustração, agravados pelas crises económica e pandémica, mas não é erguendo barreiras que se resolvem os problemas e melhora a convivência. Antes pelo contrário, é unindo as forças para cuidar dos outros segundo as possibilidades reais de cada um e no respeito da legalidade, colocando sempre em primeiro lugar o valor incancelável da vida de cada homem”, pede Francisco.
O Papa garante aos imigrantes que é com esses olhos que os vê. “Irmãs, irmãos, vim de novo aqui para vos encontrar. Estou aqui para vos certificar da minha proximidade. Estou aqui para contemplar os vossos rostos, para ver-vos olhos nos olhos. Olhos cheios de medo e ansiedade, olhos que viram violência e pobreza, olhos sulcados por demasiadas lágrimas” e desafiou o mundo a fazer o mesmo.
“Olhemos sobretudo os rostos das crianças. Tenhamos a coragem de nos envergonhar à vista delas, que são inocentes e constituem o futuro. Interpelam as nossas consciências, perguntando-nos: ‘Que mundo nos quereis dar?’ Não fujamos apressadamente das cruas imagens dos seus corpinhos estendidos, inertes, nas praias. O Mediterrâneo, que uniu durante milénios povos diferentes e terras distantes, está a tornar-se um cemitério frio sem lápides. Esta grande bacia hidrográfica, berço de tantas civilizações, agora parece um espelho de morte. Não deixemos que o ‘mare nostrum’ se transforme num desolador ‘mare mortuum’, que este lugar de encontros se transforme no palco de confrontos. Não permitamos que este ‘mar das memórias’ se transforme no ‘mar do esquecimento’. Por favor, paremos este naufrágio de civilização!”
O Papa lançou uma crítica particularmente dirigida aos que se opõem ao acolhimento dos refugiados supostamente em nome da defesa do Cristianismo, uma vez que a maioria dos que procuram chegar à Europa são de outras religiões, nomeadamente o Islão, dizendo que a misericórdia e o acolhimento para com os refugiados e migrantes está no coração do Cristianismo. “Não é ideologia religiosa, são raízes cristãs concretas. Jesus afirma solenemente que está ali no estrangeiro, no refugiado, no nu e no faminto. E o programa cristão é encontrar-se onde Jesus está.”
Unidos pela pandemia, mas não pelos refugiados
Francisco lamentou ainda que a solidariedade que se criou no mundo em torno da questão da pandemia não se estenda aos que vivem ainda nos campos, muitas vezes em condições terríveis. “A pandemia atingiu-nos globalmente, fez com que todos nos sentíssemos no mesmo barco, fez-nos experimentar o que significa ter os mesmos temores. Compreendemos que as grandes questões devem ser enfrentadas em conjunto, porque, no mundo atual, são inadequadas as soluções fragmentadas. Mas, enquanto as vacinações se estão a efetuar fadigosamente a nível planetário e algo parece mover-se, embora por entre inúmeros atrasos e incertezas, na luta contra as mudanças climáticas, tudo parece baldar-se terrivelmente no que diz respeito às migrações.”
“E, no entanto, há pessoas, vidas humanas em jogo. Está em jogo o futuro de todos, que, só poderá ser sereno, se for integrador. Só se aparecer reconciliado com os mais frágeis é que o futuro será próspero. Pois quando são repelidos os pobres, repele-se a paz. Fechamentos e nacionalismos – a história no-lo ensina – levam a consequências desastrosas”, diz.
Por tudo isto, e visivelmente emocionado com tudo o que viu nesta sua segunda visita ao campo de refugiados de Lesbos, Francisco rezou para que Deus mude o coração dos homens. “Neste domingo, peço a Deus que nos acorde da indiferença por quem sofre, nos sacuda do individualismo que exclui, desperte os corações surdos às necessidades dos outros. E peço também ao homem, a todo o homem: superemos a paralisia do medo, a indiferença que mata, o desinteresse cínico que, com luvas de veludo, condena à morte quem está colocado à margem.”
“Contrariemos na sua raiz o pensamento dominante, aquele que gira em torno do próprio eu, dos próprios egoísmos pessoais e nacionais que se tornam medida e critério de tudo”, pediu o Papa.
A visita a Lesbos constituiu um dos pontos altos da visita do Papa a Chipre e à Grécia. Ainda este domingo Francisco regressa a Atenas onde celebra missa com a comunidade católica às 14h45, hora de Lisboa, com transmissão em direto no site da Renascença. A viagem do Papa termina na segunda-feira com um encontro com os jovens, antes de regressar a Roma.