Devido às duas últimas crónicas neste espaço, tenho recebido imensos comentários e abraços de mães da minha geração. Os homens que me desculpem, mas, sim, estou só a falar de mães, porque infelizmente são quase sempre elas que estão em casa a cuidar das crianças ou são quase sempre elas que dão o som de retorno às crónicas sobre paternidade. Mesmo quando não são elas a cuidar da canalha, mesmo quando são os homens a cuidar dos filhos, a verdade é que eles, os pais, não falam destes assuntos, não têm uma narrativa para falar em público dos filhos, sentem-se pouco homens ou então sentem que são apenas a roda suplente.
Bom, os tais comentários destas mães revelam sobretudo gratidão, “Obrigado por falares disso, identifico-me muito com o que escreveste”, “obrigado por falares disso sem medo, eu não consigo, janto com o meu filho no sofá e tenho vergonha disso, agora não”. Ter filhos nunca foi tão difícil e uma das causas desta dificuldade está neste constante julgamento a que os pais, sobretudo as mães, são submetidos. Hoje sentimos que existe à nossa volta um caderno de encargos sem fim em relação à educação dos filhos, e esse caderno exige a perfeição. Os pais do passado não tinham, nem de perto nem de longe, esta pressão. Ser bom pai/mãe hoje em dia é um feito que exige o cumprimento de dezenas e dezenas de obrigações que têm de ser alcançadas sem o auxílio da chapada/palmada, sem o auxílio de uma família alargada e com um conhecimento muitíssimo mais profundo da criança. Conhecimento e sensibilidade. Os pais do passado criavam "famílias", nós criamos indivíduos.
No passado, a “criança” era um molde que se replicava em todos os filhos. Os filhos eram educados nesse molde único, funcionasse ou não funcionasse com a criança y ou z. Hoje, reconhece-se que cada criança tem a sua personalidade e sensibilidade, até às refeições. Volto, portanto, ao exemplo inicial desta série de crónicas: às vezes é difícil colocar as duas miúdas a jantar ao mesmo tempo porque uma adora sopa e a outra, com eu, odeia sopa. Portanto, muitas vezes, a miss sopa começa a jantar mais cedo ou come a sopa à parte enquanto eu preparo uma taça de cenouras cruas e tomate para a outra. É o acordo: se não comes sopa, comes cenouras e tomate antes do jantar e depois reforças a salada e a fruta.
Não estou a criar a "família", muito menos a "família perfeita"; estou a educar duas pessoas, duas futuras mulheres livres e senhoras de si. Não, não estou a educar pessoas para obedecer cegamente ao pai ou à "família", até porque depois essa obediência cega pelo pai seria transferida para a obediência cega pelos maridos e para a obediência pelas famílias que formariam. Como em tantas outras coisas, as regras formais acabam por ser formas de prender mulheres. Há que ter sempre cuidado com os fariseus.
E é aqui que quero chegar. As mensagens que recebi de mães da minha geração mostram como muitas mulheres estão presas em narrativas que não foram elas que criaram; são impostas de fora, pela "cultura", pelas "regras", pelo passado. Minhas queridas, se são vocês que estão nesta luta diária que é educar crianças, se são vocês que estão com as mãos na massa e se são vocês que têm esse instinto moral treinado e apurado, então porque é que têm tantas insegurança sobre o que está social, moral e emocionalmente certo na gestão de uma família em 2022? Não são só os homens que estão presos em 1980.