O abraço foi marcado para Lisboa, cidade que acolheu os Antytila num dos concertos da digressão internacional que passa agora pela Europa depois de um périplo pelo Canadá e pelos Estados Unidos. Um ano e meio depois de a Renascença ter surpreendido o vocalista Taras Topolya na linha da frente com a canção portuguesa “Azul e Amarelo, o Destino” no seu leitor de música no telemóvel, a banda ucraniana encontrou-se com o autor dessa canção, Carlos Mendes, num encontro organizado pela Sociedade Portuguesa de Autores na sua sede em Lisboa, após contactos iniciados pela Renascença.
“Naquele tempo elevou não apenas o meu espírito, mas também o dos meus amigos e camaradas de armas. E agora viemos aqui para dizer “obrigado”, para levantar o ânimo e dizer que tudo o que foi feito, estava certo naquele tempo. Nós estávamos mesmo a precisar. E resultou, realmente resultou”, confessou à Renascença Taras Topolya, o vocalista e porta-estandarte dos Antytila, em plena Sala-Galeria Carlos Paredes da Sociedade Portuguesa de Autores.
A visita à exposição “Diakuyu” [Obrigado, em ucraniano], de 12 fotojornalistas portugueses, permitiu aos músicos ucranianos serem cicerones de uma exposição alheia sobre a sua própria terra. Kharkiv, Bucha, Kiev, Lviv, Odessa, várias cidades retratadas pelas objetivas dos repórteres fotográficos portugueses, porventura cruzando nalgum momento os percursos dos Antytila pela frente de batalha. “Pode parecer estranho, mas nós sobrevivemos. Não fomos mortos pelos russos na linha de frente”, desabafou Topolya, desafiado pelo microfone da Renascença a verter as emoções do encontro com Carlos Mendes.
Os Antytila serviram nas forças de defesa territorial ucranianas como paramédicos e regressaram este ano à pele de artistas, retomando uma carreira colocada em pausa pela chamada “invasão de larga escala” da Ucrânia pela Rússia. Topolya fala numa sensação “bastante estranha”, aquela que consiste em transitar da “linha de frente” para a vida civil. “Demorou muito para me adaptar a esse novo tipo de vida depois de ter estado na linha de frente. Agora tudo o que está a acontecer depois disso tem, para mim, um grande valor”, expressou na presença de Carlos Mendes, autor da canção solidária da SPA, com letra de José Jorge Letria e interpretada por vozes como Amélia Muge, António Manuel Ribeiro, Carlos Mendes, Mafalda Veiga, Paulo de Carvalho, Rita Redshoes, Tozé Brito, Vitorino, Viviane, Patrícia Antunes, Patrícia Silveira e Tó Cruz, com arranjo e produção de Renato Júnior.
Abraços e trocas de experiências
Taras Topolya e Carlos Mendes trocaram abraços e discos autografados num momento de emoção para portugueses e ucranianos na SPA. "Foi uma emoção tremenda, quando soube que ele estava a ouvir na frente de batalha uma canção que eu fiz e que nós cantamos todos. E esta possibilidade de estar com ele, de lhe dar um abraço, de saber que estamos aqui os dois foi muito importante. É uma grande emoção que vou guardar para o resto da minha vida”, confessou o cantor português.
Topolya voltou a sublinhar o forte significado deste encontro, depois da importância da partilha da canção portuguesa que lhes chegou à frente de batalha. “É muito valioso que o destino me tenha dado a oportunidade de estar aqui para falar com aquelas pessoas que nos apoiaram naquele tempo. E é um grande prazer entender, conhecer, sentir e tocar alguém que gosta de partilhar o seu amor através da música, o seu apoio através da música, a milhares de quilómetros”, disse o vocalista da banda que já colaborou com Ed Sheeran e tocou com os U2 em Kiev e em Londres.
No almoço organizado pela SPA, os Antytila mostraram interesse nas atividades dos artistas portugueses e fizeram múltiplas questões sobre o enquadramento legal e fiscal da proteção de direitos de autor em Portugal. Taras Topolya é vice-presidente da UACRR, congénere ucraniana da SPA que tem mantido contactos com a organização portuguesa desde o início da guerra, que inclui ainda o teclista Serhii Vusyk dos Antytila no seu núcleo duro de artistas. A associação ucraniana faz parte da CISAC – Confederação Internacional das Sociedades de Autores e Compositores, cujo comité europeu foi presidido durante quatro anos (2014-18) por José Jorge Letria, da Sociedade Portuguesa de Autores. A Sociedade Portuguesa de Autores esteve representada no encontro com os Antytila pela administradora Paula Cunha e pela diretora-adjunta Conceição Roberto.
Dois sonhos na Ucrânia
Carlos Mendes aproveitou a ocasião para formular o desejo de um concerto de artistas portugueses num futuro próximo em Kiev. “Era importante irmos cantar à Ucrânia, pelo menos três ou quatro artistas, quando houver por exemplo um evento sobre a língua portuguesa”, declarou o antigo vencedor do Festival da Canção.
Também os Antytila reforçaram um dos seus principais desejos já divulgados, um concerto no Estádio de Yalta, na Crimeia em 23 de agosto de 2024. “Agendámos este evento em Yalta porque acreditamos que a Ucrânia obterá a vitória e recuperará todos os nossos territórios”, afirmou Taras Topolya, reconhecendo que a Ucrânia tem ainda “batalhas muito difíceis” pela frente.
O vocalista da banda rock ucraniana lembrou que a guerra já matou vários músicos na frente de guerra, mas mantém o otimismo: “Já se passaram quase dois anos nesta guerra e a Ucrânia ainda existe e luta. Não apenas porque os ucranianos são pessoas corajosas, mas porque muitas pessoas de todo o mundo apoiaram a Ucrânia e continuaram a fazê-lo".
"É muito emocionante para mim ter a oportunidade de agradecer e de testemunhar que quando se acredita em algo, quando se sente algo e temos oportunidade de apoiar alguém, de fazer algo bom para alguém, é isso que devemos fazer. E mesmo que não veja, mesmo que não sinta como funciona, acredite, vai funcionar. Funciona. Talvez não hoje, mas depois de amanhã, um ano ou dois anos depois, vai ver que funciona. Há dois anos, funcionou. E agora estamos aqui, vivos e entre os nossos colegas, músicos, criadores”, declarou Topolya na sede da SPA, antes de seguir para um concerto numa sala de espetáculos dos Olivais.
O concerto foi presenciado por cerca de 500 ucranianos, incluiu angariação de fundos para os militares, e incluiu uma referência à gravação do videoclip do tema “Вірила” gravado em 2019 em Fafe.
[notícia atualizada às 16h59]