D. Américo Aguiar iniciou este sábado uma visita à Ucrânia. O bispo auxiliar de Lisboa e presidente da Fundação Jornada Mundial da Juventude (JMJ) emocionou-se no funeral de um soldado e encontrou esperança nos jovens com quem conversou, apesar do estado de guerra no país.
Transmitiu-lhes a mensagem do Papa e de Nossa Senhora de Fátima, mas, questionado pela Renascença, admite que ainda é cedo para juntar jovens ucranianos e russos num momento simbólico na JMJ Lisboa, que decorre entre 1 e 6 de agosto.
D. Américo Aguiar, que recentemente foi nomeado cardeal pelo Papa Francisco, falou aos jornalistas no Santuário de Zarvanytsia, no centro da Ucrânia, o principal local de peregrinação para os católicos na Ucrânia.
Que mensagem traz aos jovens ucranianos?
D. Américo Aguiar: Disse-lhes que o Papa quer jovens devem ser sonhadores, lutadores e poetas e que eles vivem um momento especial das suas vidas e do seu país e a ainda mais força têm que ter para serem sonhadores, lutadores e poetas. Disse-lhes que vinha de Portugal, trazia a [mensagem] de Nossa Senhora de Fátima, por quem eles têm particular devoção e que lá o Papa disse que temos Mãe. E chegamos aqui ao santuário Mariano e que lhe pedimos a mesma coisa: temos Mãe e é no coração da Mãe que nós colocamos as nossas alegrias, tristezas, os nossos sorrisos e as nossas lágrimas.
Infelizmente são muitas as lágrimas que estes jovens têm para colocar no coração da Mãe do céu, porque o que eu testemunhei hoje, em Lviv, no funeral de um soldado… aquilo que a gente vê na televisão é muito fácil, mudamos de canal e está feito. Assistir a estas coisas ao vivo é particularmente doloroso e não me sai da imagem e do coração o jovem a receber a Ucrânia junto ao caixão do seu pai.
O que eu levo daqui é que temos de ajudar este menino e este menino são todos os meninos da Ucrânia. Que este dia, esta bandeira e este acontecimento não gerem no coração dele ódio e desejo de vingança, mas que possam gerar no coração dele que os filhos e os netos dele nunca mais vivam a guerra. Como dizia João Paulo II: “Nunca mais a guerra”. E é muito difícil nós convertermos estes corações que veem os pais morrer, as casas e os sonhos destruídos, é muito difícil convertê-los a ter esperança, mas a fé é a força deles, a fé que dá a força, a esperança e a nossa esperança é Cristo vivo. Não me canso de dizer que a JMJ é uma experiência de fé, um convite para todos os jovens que tenham força e coragem nas adversidades que a vida lhes traz.
Encontrou essa esperança nos jovens ucranianos?
Muito, muito, muito. É aquilo que os faz acordar todos os dias, a esperança de que amanhã - que pode não ser o dia seguinte - mas que vale a pena sonhar, lutar e os sacrifícios, vale a pena defender a liberdade. Eles chamam muito à atenção que eles estão a defender a liberdade da Ucrânia, da Europa e do mundo. E nós às vezes não temos consciência disso.
Que mensagem traz sobre a JMJ à juventude ucraniana?
O que lhes vim dizer é aquilo que o Papa me pede cada vez que nos encontramos: ‘não te esqueças daqueles que não podem vir a Lisboa’ e nós temos esse esforço de lembrarmos os jovens que por razões económicas, sociais, ideológicas, liberdade religiosa ou não, por tantas razões que não podem ir a Lisboa. E não há razão melhor do que vir cá presencialmente dizer-lhes isso, e testemunhar-lhes que eles não vão lá, mas nós vimos e aqui e levamo-los no coração. No coração não há distâncias.
Os russos também vão estar na JMJ?
Nós temos jovens russos inscritos e estamos a tentar resolver a questão das Maldivas. Vamos ver se todos conseguem chegar a Lisboa. Isso é outra questão. Estou a trabalhar em gestos simbólicos do que possa acontecer, nós temos que entender que era bonito colocarmos no mesmo encontro jovens ucranianos e russos, mas o que eu ouço aqui é que ainda é cedo para isso acontecer. É muito bonito e poético sentar à mesa o agredido e o agressor, o assassino e a família do assassinado, mas é preciso tempo. A dor não prescreve e a dor não sara e temos que fazer caminho.
Como vê a aparente cisão entre as igrejas ortodoxas da Ucrânia e da Rússia?
Eu rezo pelos meus irmãos, é aquilo que nós devemos fazer, porque quem cá está, que sofre as consequências, quem vive o dia a dia, certamente poderá responder melhor do que eu que venho de longe e não tenho a perceção do dia a dia dessa realidade.
Senti-me verdadeiramente irmão quando cheguei. Não os conhecia, não os entendo, eles não me entendem, mas há gestos e isto é o amor, e Deus é amor. O amor vence tudo, vence todos os obstáculos. Porque é que há guerra? A guerra começa quando no nosso coração há maldade e, infelizmente, há muita maldade nos corações e de vez em quando essa maldade transborda os corações e quando está no coração daqueles que têm o poder de decidir a paz e a guerra, a guerra acontece.