Os convidados são António Araújo, historiador, director de publicações da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS); e Henrique Monteiro, jornalista, antigo diretor editorial do Grupo Impresa e ex-diretor do semanário “Expresso”.
António Araújo não tem dúvidas de que a pandemia de Covid-19 está a aprofundar as desigualdades em Portugal, a vários níveis.
“O que esta crise foi evidenciar a traços mais grossos, aprofundou e vai aprofundar a desigualdade. Esta crise tornou mais patente alguma desigualdade étnica em Portugal. Vemos amiúde pessoas de outras etnias a trabalhar nas ruas, que não tiverem os benefícios do confinamento”, constata o historiador.
A pandemia também agravou as desigualdades “no acesso a mecanismos de dissuasão e defesa em relação ao vírus, e também no ensino, entre escolas com mais e menos qualidade, o modo como o sistema de ensino público e privado reagiram, quem tem acesso ou não a ambientes digitais, como o sistema de saúde reagiu a tudo isto é já de si seletivo e muito inigualitário, e essa desigualdade tornou-se agora muito mais patente”.
Para António Araújo, “entre a liberdade e a igualdade, a afetação da igualdade ficou mais exposta do que a afetação da liberdade”.
Henrique Monteiro sublinha que estamos num “regime de exceção permitido pelo Estado de Direito” e afirma que “os argumentos económicos estão a entrar na equação com mais força nesta fase da pandemia”.
Também defende que a pandemia “pôs a nú uma série de tendências que existiam, nomeadamente da desigualdade, mas também da xenofobia”.
O comentador dá o exemplo de africanos a serem expulsos de Xangai, na China, acusados de trazerem o vírus, ou da forma como “os hindus estão a aproveitar na Índia para culpar os muçulmanos pela pandemia”.
“Estas tendências já existiam e estão mais a nu, como cá em Portugal e noutros países da Europa se veem claramente as desigualdades que existem, nomeadamente entre os que têm empregos confináveis e aqueles que têm que levar a rua, a limpar coisas ou na construção civil, onde a gente vê que continua o trabalho”, sublinha o antigo direto do Expresso.
No plano da educação, com o ensino à distância a ser alternativa às escolas fechadas, Henrique Monteiro diz que “faz-se o que se pode” numa situação de exceção.
“Não sei como resultará a experiência da telescola, mas para já os dados que eu vi em países que tem isto há mais tempo é que mais de dois terços dos alunos nem sequer olhavam para aquilo, eram absentistas. Não me parece que seja uma situação que possa durar muito tempo”, adverte.
“O medo favorece quem está no poder”
António Araújo considera que as restrições impostas em Portugal para travar a Covid-19 são “proporcionais” e não representam uma ameaça à liberdade.
“É quase um insulto a pessoas que vive e vivem sob regimes ditaduras, pensarmos que vivemos numa ditadura”, afirma nesta edição do programa Da Capa à Contracapa.
O diretor de publicações da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) afirma que as pessoas “não gostam muito de abdicar do conforto da liberdade, e bem, mas o que está em causa não é a liberdade em si. O que foi afetado foi muito mais o nosso conforto do que a liberdade clássica”.
António Araújo considera que a pandemia “não vai fazer nascer novos populismos” e, pelo contrário, pode ser uma vacina contra essas lideranças: “Alguns populismos de alguns líderes saem daqui bastante maltratados e mais expostos, no caso de Trump e Bolsonaro, a sua impreparação para o cargo e falta de sensibilidade”.
Por outro lado, os estudos de Ciência Política têm demonstrado que, numa fase inicial, “o medo favorece quem está no poder” e, neste plano, António Araújo dá o exemplo de governadores norte-americanos que foram eleitos por curta margem, mas neste momento da crise têm “taxas de aprovação de 80 e tal por cento”.