“Estamos a ganhar o mesmo, em termos nominais, do que ganhávamos” lamenta Sérgio Godinho que diz que hoje os artistas “ganham muito menos” do que há uns anos atrás. Em entrevista ao podcast da Renascença, o músico denuncia que as plataformas digitais de música “pagam miseravelmente”.
“Acho que houve uma espécie de buraco negro, ou um hiato, quando apareceu o digital e as editoras, e os organismos que regulam as editoras, as sociedades de direitos de autor, etc. não conseguiram resguardar os direitos, e mesmo a legislação europeia, tem desfavorecido muito isso”, afirma Sérgio Godinho.
No caminho para os 50 anos do 25 de Abril, o músico reconhece que há hoje melhores equipamentos culturais no país, a que muito se deve a rede de cineteatros relançada pelo então, ministro da Cultura, Manuel Maria Carrilho. Contudo, Sérgio Godinho considera que os direitos e os apoios aos artistas ainda precisam de mais investimento.
Também num olhar para o estado do país, com 48 anos de democracia, Sérgio Godinho identifica a Justiça como um setor a precisar de reformas. “O estado da Justiça é terrível. Claro que há bom juízes, mas o sistema em si, favorece uma morosidade que é insuportável e também há uma justiça de classe”, aponta o cantor.
A notícia do 25 de Abril lida nos jornais no Canadá
Sérgio Godinho assume que aos 20 anos tinha uma “sede de mundo” e por isso, deixou a sua cidade Natal, o Porto, rumo à Suíça onde foi estudar psicologia. Para trás ficou mais do que a casa. Ficou também a hipótese de ser recrutado para combater na Guerra Colonial.
“Saí do país, sabendo que um dia, se fosse chamado, e seria provavelmente, que não ia responder e aí tornar-me-ia refratário”, lembra o autor de Maré Alta. Ao Avenida da Liberdade, Sérgio Godinho confessa que “precisava de ter mundo” e evoca a canção que escreveu com José Mário Branco e que integra “o último disco de originais que se chama Mariana Pais. É sobre uma rapariga de 21 anos que começa por dizer "Mariana Pais, diz-me para onde vai com essa sede de ter mundo".
Nesta conversa marcada pelo ritmo das letras das canções de Sérgio Godinho, o artista conta que depois da Suíça viveu em França. Em Paris assistiu e participou no Maio de 68. “Foi uma experiência muito importante, porque andei nas ruas, dormi mais do que uma noite na Sorbonne, apanhei gás lacrimogénio nas ruas. Eu vivia completamente por mim”, recorda.
Quando o 25 de Abril de 1974 acontece em Portugal, já Sérgio Godinho vivia no Canadá com a sua primeira mulher e mãe da sua filha Joana. A notícia da Revolução surgiu numa notícia num canto do jornal.
Sérgio Godinho lembra que hesitou em telefonar para casa para melhor perceber o que estava a acontecer, por diz que não tinha muito dinheiro. Contudo, dois dias depois outra notícia levantou a lebre de novo. “
“Falavam de um movimento organizado chamado MFA, e também, e sobretudo que tinham libertado todos os presos políticos de Caxias. Aí eu disse: ‘Alto lá! Está aqui a passar-se algo importante, isto é, mesmo a sério’”.
O regresso a casa acontece uns dias depois. Aterra em Lisboa a 3 de maio e é logo convocado para movimentação artística que estava a acontecer. “Participei no primeiro Canto Livre. Estávamos todos no palco, sentados no chão, cada um cantava duas canções à vez.”
Questionado sobre com quem partilhou o palco nessa altura, Sérgio Godinho conta: “Cantei com o Zeca [Afonso], o José Mário [Branco], o José Jorge Letria, penso que também estaria o Manuel Freire, o [Francisco] Fanhais”.
No seu ADN, Sérgio Godinho tem a marca da Liberdade que canta. “Essa liberdade sempre me foi essencial. Sempre a pratiquei naturalmente. Ia a dizer que a preservei, mas não é preservei, porque ela se vai fazendo. Nós praticamo-la. Como digo na canção Liberdade, "Só há liberdade a sério quando houver a Paz, o Pão, a Habitação... mas também digo uma coisa nessa canção que é a Liberdade de mudar e de decidir. Muitas vezes, não tens a liberdade de mudar”, reflete o artista que completou já 50 anos de carreira musical e que nos últimos anos se tem também dedicado à escrita.