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Sem velório, sem missa, sem o habitual cortejo fúnebre, o vigário episcopal para o Clero da Diocese da Guarda está preocupado com o impacto psicológico dos funerais em tempos de pandemia, quer nos familiares dos entes que partiram, quer nos próprios sacerdotes. O padre Carlos Dionísio, também responsável da paróquia de Santiago, no concelho de Seia, celebrou cinco exéquias desde que foi decretado o estado de emergência.
O choro contido na hora da despedida. O silêncio “mais profundo” do que o habitual no funeral denuncia uma presença que não ultrapassa as dez pessoas, "um reduzido número", assim ditam as orientações quer da autarquia de Seia, quer da diocese da Guarda.
Na freguesia de Santiago, como um pouco por todo o país, as cerimónias fúnebres tiveram que se adaptar, por razões de saúde, aos condicionalismos provocados pela pandemia de Covid-19.
“São funerais muito mais silenciosos, nesta falta de gente a acompanhar, o silêncio é muito mais profundo”, nota o padre Carlos Manuel Dionísio de Sousa, natural de Orjais, na Covilhã, 51 anos.
Está há três anos à frente da paróquia de Santiago, no concelho de Seia. Em julho completa o 27.º aniversário de ordenação e não se lembra de um “momento tão doloroso como este que estamos a viver”.
O padre Carlos é também o vigário episcopal para o Clero, faz “a ligação entre os padres e o próprio bispo. Há situações, assuntos e desabafos, que os padres podem não querer fazer ao sr. bispo e podem-me transmitir”, explica.
É neste quadro de desabafos que o padre Carlos Dionísio não esconde a preocupação: “há um sentimento generalizado de algo que não estávamos à espera, estarmos tão sós num momento de despedida, é doloroso, impressiona-nos a todos, estou a falar dos funerais e das restrições por causa da Covid-19. Nada se compara a isto e as igrejas sem terem ninguém. Não podermos ter as portas da igreja abertas”, lamenta o sacerdote, afirmando que “não há muitos períodos na Igreja em que isto tenha acontecido”.
A tristeza de uma viúva num funeral sem amigos
O sacerdote dá o exemplo de um caso, recente, que o marcou e que é paradigmático. “A família esperava dez pessoas no funeral e não chegavam a dez pessoas, e reparei na expetativa em que pudesse ir mais alguém. As pessoas não foram porque estão atentas às indicações, às vezes nem seis pessoas estão no cemitério”, observa o sacerdote, admitindo que falta “aquilo que é a comunidade, onde as pessoas vivem a sua fé, neste momento de despedida ao não poder estar tanta gente, faz falta a vida da comunidade”.
E um dos sofrimentos maiores que teve, destaca, foi o de uma viúva. “Quando cheguei ao cemitério, ela começou a chorar e disse que aquilo que mais lhe custava era que o seu marido fosse enterrado como um ‘cão’, o estar só, não ter os amigos e a comunidade com quem partilhou a sua vida, e esse momento marcou-me profundamente como pastor de querer dar alento”, revela.
“Tentei transmitir-lhe que, fisicamente, os que não estavam com ela, decerto que estariam em comunhão com ela”, recorda.
Neste tempo de pandemia, o padre Carlos Dionísio celebrou cinco exéquias. “Pessoas idosas sobretudo, mas uma das vítimas, tinha 50 anos, morreu de enfarte do miocárdio, nenhuma era vítima da Covid-19, mas aquilo que nos é pedido é que em todos os casos celebremos em privado, sem povo a assistir, tenho um diácono apenas a trabalhar comigo”, sublinha o Padre Carlos.
Os funerais têm sido as situações mais complicadas, porque, “segundo as indicações que nos são dadas, é para fazermos as exéquias no cemitério, normalmente só para acompanharem os familiares mais próximos, mas fica sempre a sensação do vazio, de um amigo ou familiar não poder despedir-se”, sublinha.
“Segundo as normas em vigor são dez pessoas. Não tem acontecido velório. É uma das condições que tem sido colocada. Leva-se o corpo à hora marcada, logo para o cemitério, sempre em urna fechada e eu vou pedindo compreensão, dentro da dor”, refere.
Cansado de ser padre nestas circunstâncias? “Não, nunca me canso de ser padre, mas admito que estarmos assim confinados é extremamente doloroso. A minha missão é estar com as pessoas", garante.
“Nem conseguimos fazer o luto”
No cemitério de Santiago, o casal Rogério Mamede, 66 anos e Maria Rosa, 62 anos, quase a medo deixam flores.
“É muito complicado, era meia dúzia de pessoas que aqui esteve”, afirma Rogério, corroborado pela mulher. “É muito triste, nem conseguimos fazer o luto, nós católicos estamos habituados a fazer o luto, e agora não, quem não assiste, pensa que até é mentira que a pessoa partiu”, realça Maria Rosa.
Sem velório aberto à população, cortejo ou missa, é no cemitério diante da urna fechada que o padre Carlos Dionísio, quase que parece sozinho e diz, comovido, que “o medo afasta” quem se quer despedir de um amigo ou familiar.