Uma cliente deixa cair ao chão um pacote de biscoitos secos e irrita-se com ela própria, pela aselhice. Assume o erro e diz que o leva, mesmo com os biscoitos todos partidos.
Do outro lado da caixa do pequeno minimercado está Bhavesh Prajapati, um indiano há seis anos em Portugal e que ainda espera pela nacionalidade portuguesa. Bhavesh olha para o pacote de bolos, ri-se e diz à cliente que o pode trocar por um outro, com biscoitos inteiros.
Bhavesh admite que não acompanha a pré-campanha para as legislativas, nem os debates televisivos. Nem sequer sabe que partidos existem, quanto mais os nomes dos seus líderes. Mas mesmo não acompanhando a vida política, tem uma certeza.
"Sim, sim, o último governo foi bom. Para os imigrantes foi bom". Mas nem tudo foram rosas, porque considera injusto estar a pagar impostos, mesmo não tendo a nacionalidade.
"Os imigrantes vêm, começam a trabalhar, começam a pagar todos os meses impostos, e depois de cinco ou seis anos, têm de esperar outros dois até terem o passaporte". É tempo demais, lamenta, não resistindo em apontar outro dos problemas, para além da demora da burocracia, com que os imigrantes têm de lidar.
"Muitos imigrantes têm falta de casa, e Lisboa é muito cara. As rendas são 1200 euros, com um ou dois quartos. É um problema que existe em todo o mundo, só que em Portugal o problema é que os salários são baixos", diz Bhavesh.
Jefferson Magno está em Portugal há menos tempo. Dois anos. Tem sido uma experiência "muito tranquila.
"Está tudo a correr bem, graças a Deus. Não tenho nada a reclamar e muito menos a dizer. A experiência está a ser boa", revela este jovem brasileiro, funcionário de um barbeiro, que admite não seguir a vida política nacional.
"Não, por acaso não. Como não voto, não acompanho muito. Quando for votar vou me aprofundar mais nisso. Não faço nem ideia de quem são os candidatos".
Ainda assim, espera que os políticos portugueses melhorem a situação dos imigrantes.
"Seria uma coisa boa. Olhar mais para a situação da regularização" e para o tempo da burocracia.
Ainda há menos tempo em Portugal, já terá lidado com as burocracias e as imposições da lei face aos imigrantes.
Daria Trambatch está a passear por uma das ruas de Algés, junto ao Palácio Anjos, com os pais e com um filho, Danilo, de nove anos. Já se desenrasca no português, mas ainda não dá para estabelecer um diálogo. Estão há dois meses em Portugal, fugidos da guerra na Ucrânia. Danilo veio mais cedo, e por isso já se consegue fazer entender em português. Quanto mais não seja com a ajuda do Google Translator, que põe a funcionar no telefone.
Daria não acompanha a política portuguesa. Nem sequer está interessada no assunto. Há outras preocupações. Na memória estão ainda as imagens recentes dos bombardeamentos russos às cidades na Ucrânia por onde passou, para fugir do país com os pais.
Sempre de forma educada e bem-disposta, Daria pede desculpa pela dificuldade de comunicação e despede-se, de mão dada com Danilo, que insiste numa foto de família que espera ver publicada.
Tem enviado á família fotos da filha, agora com seis meses. Há já oito anos que Jéssica Paula está em Portugal e ainda não tem nacionalidade portuguesa. Teve azar.
"Quando cheguei foi na altura em que teve um problema com o SEF, então esperei quase dois anos e meio para ter a primeira residência. E não tinha os anos necessários para dar entrada com o processo de obtenção de nacionalidade. Só no ano passado fiz os cinco anos de residência", explica esta jovem proprietária de um negócio de beleza feminina.
Não sabe quem é Luis Montenegro, Paulo Raimundo, Pedro Nuno Santos ou Mariana Mortágua, para referir apenas alguns líderes partidários. Mas sabe quem é André Ventura.
"Por causa de coisas que vejo e não concordo. Com alguns posicionamentos dele, principalmente no que diz respeito aos imigrantes, acho que ele tem uma ideia muito fechada para quem ajuda muito o país. Portugal tem uma população envelhecida que necessita financeiramente de ajuda do estado", que também depende dos impostos pagos pelos imigrantes, que "ajudam a manter a economia" do país.
Jéssica explica por que razão não têm acompanhado a pré-campanha para as legislativas de 10 de Março.
"Tenho um bebé de seis meses e isso dificulta um pouquinho. Ainda mais sendo imigrante, não tenho apoio da família. Trabalho das 9 às 19 horas e como ainda não consegui creche para o meu filho, tenho de fazer um jogo de cintura para conciliar com o trabalho do marido".
Admite que gostava de exercer o direito de voto, porque "aprendeu isso desde pequena", já que no Brasil, o voto é obrigatório. Mas como ainda não tem nacionalidade portuguesa, não pode votar. Ainda assim, gostava, quanto mais não fosse, que os imigrantes pudessem dar a sua opinião.
"Deveria haver um pouco mais de igualdade com aqueles que contribuem para o país. Nós, imigrantes, deveríamos poder expor a nossa opinião. Apesar de descontar e pagar impostos, sinto no meu dia-a-dia que somos calados muitas vezes por não ter esse direito. Gostaria de ter uma voz, sim".