No dia em que se soube que o número de pessoas sem-abrigo aumentou 25% em Lisboa, e que, segundo o Expresso, em apenas quatro anos disparou em 75% o número de pessoas na mesma situação, o PS fechava-se na sede do Rato, com autarcas estrangeiros, em busca de soluções para o problema da habitação.
Politicamente, os socialistas temem o impacto da fatura. Em setembro,Pedro Marques, eurodeputado e dirigente do PS admitia à Renascença que a habitação vai "penalizar" o partido em eleições futuras. O primeiro-ministro assumiu, em entrevista à CNN Portugal, que sente "bastante frustração" e assumiu depois ter "muita pena" por não conseguir cumprir a meta das 26 mil casas públicas até 2024.
Numa mesa em "U", sentaram-se várias línguas e nacionalidades que, com a ajuda de tradutores, deixaram conselhos à ministra da Habitação, Marina Gonçalves. Já na ponta final, a ministra admitiu que Portugal "reagiu tarde" ao problema.
Depois de ouvir os autarcas, Marina Gonçalves agradeceu aos concelhos os conselhos para as "soluções comuns" e assumiu que "reagimos tarde" ao problema e afirma que "em Portugal, durante décadas, não construímos uma política de habitação".
Habitação, o ex-líbris de Viena
A capital da Áustria tem dos maiores parques habitacionais públicos com os 50% das casas a ser detidos pelo Estado ou por cooperativas.
"Dois terços da nossa população vive em casas de forma muito segura e previsível", descreve à Renascença a diretora do escritório de Bruxelas da Câmara Municipal de Viena, Michaela Kauer.
Diz, com orgulho, que é autarca "numa das cidades com melhor qualidade de vida" e justifica-o com "a quantidade de casas de habitação acessível" que existe em Viena. A câmara é socialista há largas décadas.
A explicação para a cidade ter uma percentagem tão grande do parque habitacional podia ser muito complexa, mas a história simplifica-a. Viena, ocupada pela União Soviética durante a guerra fria, optou por não vender a totalidade das casas que pertenciam ao Estado. Depois da queda da URSS, a cidade manteve uma parte significativa
"Não quero desanimar ninguém que queira copiar o modelo, mas nós começámos há mais de cem anos", diz Michaela Kauer enquanto se ri. Como quem diz: é mais fácil nunca ter vendido do que começar a comprar casas aos privados.
Para esta autarca na "cidade modelo", viver numa habitação pública "não deve comportar um estigma" para ninguém, nem colocar um rótulo às pessoas.
"A morada de uma pessoa não deve ditar quais são as suas hipóteses na vida", exclama Michaela Kauer.
Sobre as dificuldades vividas em Portugal em torno da habitação, esta autarca austríaca reconhece que tem sido feito "um esforço grande" por parte do poder político, mas avisa: "é preciso ter intervenções corajosas quando o mercado falha".
"Intervenções fortes no mercado são a única solução" para um país que tem apenas 2% do parque habitacional público, defende esta autarca em Viena.
No concreto, Michaela Kauer sugere uma aposta nas cooperativas: "Na Áustria há mais de um quarto da população a viver nelas". E em rendas sem termo, que "deviam ser uma opção por defeito"
Mas na receita, a diversidade é o segredo: "A melhor forma de resolver o problema é ter frentes diversas".
Budapeste mais próximo de Lisboa do que de Viena
A Hungria já fez parte do mesmo Estado que a Áustria, mas desfeito o império austro-húngaro os caminhos políticos foram em direções diferentes.
A menos de 250 quilómetros de Viena, Budapeste tem problemas mais parecidos com o Porto do que com a capital austríaca.
"A habitação é um problema. Depois da queda do regime comunista, a maior parte das autarquias venderam as casas aos privados. Hoje só uma pequena percentagem do parque habitacional é público", admite Kata Tutto, deputada municipal socialista de Budapeste em declarações à Renascença.
Inundada pelo turismo tal como Lisboa ou Porto, Budapeste vê que o número da etiqueta da maior parte das casas supera largamente o poder de compra de quem lá vive.
Katta Tutto acredita que na Hungria também há "muitas casas vazias" à semelhança do que acontece no nosso país, e reconhece que há "muitos investidores a comprar casas para fins turísticos".
A solução adotada em Budapeste assenta nas contrapartidas: "Se houver um investidor privado que quer construir 100 casas, nós exigimos que 15 delas sejam da autarquia", exemplifica Katta Tutto.
Em Budapeste, a solução encontrada tem sido intervir nos licenciamentos e exigir aos construtores. Se constroem para vender, há uma parte que tem de ser pública.
"É uma questão europeia", diz autarca francês
"A questão da habitação não é só portuguesa", defende Cristophe Rouillon, autarca em Coulaines, uma localidade perto de Le Mans, com pouco mais de sete mil habitantes que fica a 200 quilómetros a sudoeste de Paris.
Este socialista, que é também vice-presidente da associação de autarcas franceses, revela que metade do parque habitacional da cidade onde é presidente da junta de freguesia é público, mas coloca-se na mesma prateleira que Portugal: "é uma questão europeia", indicando que em França o problema também se sente.
"Portugal é um país de turistas, e isso é muito bom. Mas seria também bom regulamentar isso para oferecer boas condições de habitação", sugere Cristophe Rouillon em entrevista à Renascença.
Sobre o arrendamento coercivo, polémica medida que consta no pacote Mais Habitação do governo português, este autarca francês diz que "às vezes é preciso ser coercivo para conseguir resultados" e conclui: "algo tem de ser feito".