A Autoridade Nacional de Proteção Civil considera que, nos incêndios de Pedrógão Grande de junho passado, registaram-se situações de "funcionamento deficiente" e de desorganização que levaram a "atrasos irrecuperáveis" e a "consequências irreversíveis", com dezenas de mortos.
Num documento detalhado com 133 páginas, agora divulgado pelo Ministério Público após autorização do Governo devido à polémica gerada, a Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC) aponta 55 conclusões pormenorizadas, desde o momento em que chegou o alerta, até 72 horas depois.
Aquela entidade começa por apontar que o 'Aviso Laranja' do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) para o tempo quente na zona de Leiria, distrito onde se localiza Pedrógão Grande, "deveria ter sido objeto de melhor análise" por parte das autoridades.
Já quanto ao fogo, hora e meia depois de ter deflagrado, o incêndio "não cedia e impunha o empenhamento de mais meios e, muito provavelmente, um rápido desenvolvimento da organização operacional", situação que só aconteceu minutos mais tarde, numa "implementação [que se verificou] incipiente", de acordo com o relatório da ANPC.
Três horas depois do primeiro alerta, ainda não existia "uma organização bem definida", acrescenta aquela estrutura, destacando a "falta de recursos técnicos e materiais".
Entretanto, o Posto de Comando Operacional foi relocalizado para os estaleiros da Câmara Municipal de Pedrógão Grande, situação que a ANPC viu como "duvidosa em termos técnicos" desde a primeira hora, verificando-se depois que este "local, afinal, não era apropriado".
Passadas quatro horas desde o primeiro alerta, o funcionamento da operação de combate mostrou-se "deficiente", sendo necessário um "posto de comando organizado, fluente nos seus trabalhos e com as células a funcionar em pleno", assinala o relatório.
Além destas dificuldades, que eram do conhecimento do comando nacional da Proteção Civil, também não existia informação meteorológica atualizada, segundo o mesmo documento.
Só após cinco horas após o primeiro alerta é que "as células são claramente atribuídas e (...) abandonam a insipiência embrionária", descreve a ANPC, referindo, contudo, que nesta altura o plano estratégico de ação "já estava desatualizado" e não tinha em conta a "dimensão que o incêndio já possuía".
Aí, questões como "a deficiente e tardia consolidação das fases SGO [Sistema de Gestão de Operações] e o tempo gasto na relocalização do Posto de Comando Operacional começam a ter consequências notórias", com o fogo já a chegar às povoações, indica o relatório.
O combate passou, assim, a ser "puramente reativo, deixando de existir qualquer antecipação nas operações", elenca a ANPC, referindo que se segue um "aumento considerável dos pedidos de socorro" e "problemas de comunicações".
"Acode-se onde pedem e onde os meios chegam. O incêndio deixa de ser combatido", sinaliza aquela entidade, falando nas primeiras notícias da existência de mortes.
Mais de 67 horas após o alerta, "os danos provocados pela deficiente e tardia evolução e consolidação das fases do SGO são já gigantescos e irreparáveis", aponta a ANPC.
Entretanto, são ainda visíveis problemas de articulação entre o posto de comando e o Comando Distrital de Operações de Socorro de Leiria, segundo a Proteção Civil, que diz também "estranhar" o facto de o plano municipal de emergência não ter sido acionado nas primeiras horas.
"Mas já decorreram já 72 horas sobre o primeiro alerta. As consequências são irreversíveis", conclui o relatório, datado de outubro do ano passado.
A Autoridade Nacional de Proteção Civil recomendou também a criação de um sistema informático para armazenar documentos usados durante as operações de combate aos fogos, após ter confirmado a destruição de informações que poderiam servir de prova.
"Face à necessidade de guardar imagens e informação que, posteriormente, se pode tornar vital, torna-se necessário idealizar, num plano informático, o registo e guarda de informações sobre os quadros de informação das células, o PEA [plano estratégico de ação], bem como imagens dos diferentes SITAC [quadros de situação tática] que vão sendo desenhados", propõe a ANPC num relatório sobre o incêndio de Pedrógão Grande de junho passado divulgado na página da Procuradoria-Geral da República (PGR) na Internet.
O Governo já tinha esclarecido que o relatório da auditoria interna da Proteção Civil sobre o fogo de Pedrógão Grande tinha precisamente sido enviado, em novembro, para o Ministério Público.
"É falsa a informação de que o Governo tenha 'escondido' o relatório desde novembro", afirma o executivo num comunicado divulgado, esta quarta-feira, referindo estar a esclarecer uma notícia do jornal “Público” com o título "Inspeção revela que houve provas do combate ao incêndio que foram apagadas ou destruídas".
O “Público” noticiou que o relatório de uma auditoria interna da Autoridade Nacional de Proteção Civil aos trabalhos do combate ao fogo de Pedrógão Grande, em 2017, indica que houve documentos apagados ou destruídos.
Em junho de 2017, os incêndios que deflagraram na zona de Pedrógão Grande provocaram 66 mortos: a contabilização oficial assinalou 64 vítimas mortais, mas houve ainda registo de uma mulher que morreu atropelada ao fugir das chamas e uma outra que estava internada desde então, em Coimbra, e que acabou também por morrer. Houve ainda mais de 250 feridos.