A pandemia de covid-19 e as medidas para a combater foram responsáveis por um "larguíssimo espetro" das queixas que a provedora de Justiça recebeu ao longo de 2020, nomeadamente em áreas como saúde, relação laboral ou direitos dos imigrantes.
No relatório de atividades relativo ao ano passado, a provedora Maria Lúcia Amaral refere que a pandemia e as medidas tomadas pelo Governo para a combater "não afetaram apenas os direitos de liberdade".
"Afetaram todas as dimensões da vida, do trabalho à família, da escola ao comércio, da empresa à arte, da deslocação ao convívio", refere.
Nesse sentido, a provedora de Justiça aponta que as questões relativas a habitação - agregados familiares em situação de grande vulnerabilidade, pessoas sem-abrigo, habitação social - aumentaram 55,3% face a 2019.
"Do mesmo modo, acentuadamente cresceu o número de queixas relativas a direitos dos estrangeiros", refere a provedora, apontando que estão em causa questões relacionadas com processos de atribuição de nacionalidade portuguesa e regularização de pessoas já entradas em território nacional.
Por outro lado, "cresceu também de forma acentuada" o número de queixas em matérias de saúde, tendo-se registado mais 52% do que no ano anterior, e em assuntos relativos a educação, onde o aumento foi de 25%.
"Num plano completamente diverso, e ainda a título de exemplo, de registar ainda o maior número de problemas que nos foram colocados a propósito de atrasos verificados na tramitação de processos de regulação das responsabilidades parentais", refere Maria Lúcia Amaral, sublinhando como os dados demonstram o quanto a pandemia veio afetar todas as dimensões da vida.
A provedora refere mesmo que, no final de 2020, foi possível constatar que os "temas covid" representavam 22% do total dos problemas que chegaram à instituição, mas explica que a opção foi a de não incluir esse número nas estatísticas pelo facto de a separação entre temas covid e não covid ainda não ser fiável, uma vez que a pandemia afetou "todos os setores da vida".
Maria Lúcia Amaral aproveita também para defender que o papel do provedor de Justiça não é apenas o de resolver pedidos e que o organismo só serve a comunidade se for capaz de converter cada pedido numa visão mais alargada do que vai correndo mal e puder vir a ser melhorado.
"Fui-me dando conta, ao longo do meu mandato, que o Provedor de Justiça português pode estar em risco de ver comprometida a realização desta sua função essencial, precisamente por estar também em risco de se converter nessa espécie de "ersatz" da função jurisdicional que resolve cada caso concreto sem daí retirar ilações de sistema", diz a provedora.
Na opinião da provedora de Justiça isso é explicado por dois motivos: por um lado pelo aumento exponencial de queixas e, por outro, porque a instituição está assente em "estruturas orgânicas obsoletas".
A Provedoria de Justiça recebeu em 2020 um "recorde absoluto" de queixas, que originaram a abertura de 11.557 procedimentos, o que traduz uma subida de 68% face a 2016.