Manuel Sobrinho Simões, professor e investigador na área de Bioquímica da Universidade do Porto admite como possível "uma nova espécie", em virtude de "uma situação de conflito, ou de mortandade", pois "nós podemos estar a rebentar com o mundo". "O meu medo é esse", diz o investigador.
Convidado do mês de Outubro das "Conversas na Bolsa", Sobrinho Simões discorreu sobre o "homo sapiens e a sustentabilidade" e lamentou a enorme "certeza de que estamos a dar cabo da água, do solo, do clima, das pessoas, das comunidades". E a culpa é do "homo sociocultural caracterizado pelo consumo e pela ideia de eternidade". "Uma mania" que Sobrinho Simões combate com uma ironia que "não encerra nenhuma novidade". "É muito raro não se morrer", brinca.
O cientista e médico lembrou que "pode haver uma nova espécie que interessava discutir", "em situação de morte, por conflito ou não". O investigador reforça a ideia de se debater e refletir "a possibilidade de nós - numa situação extrema - não sermos o fim de linha".
Sobrinho Simões começou por prender a plateia com uma animada dissertação sobre a evolução da espécie humana, recordando que "os hominídeos começaram a surgir há cerca de seis a sete milhões de anos", para mais à frente explicar que "nós nos distinguimos dos primatas não humanos, na questão dos genes, em menos de um por cento".
Aprofundando melhor o seu pensamento, o investigador afirma que "nós, se fossemos só genéticos, éramos biológicos" mas “passámos a ser um homo sociocultural, com capacidades que nos permitem, por exemplo, “ter as crianças prematuras, cuidar delas e ajudá-las no seu desenvolvimento”.
Associada ao problema da sustentabilidade, está a questão da longevidade, porque "para esticar a longevidade" o homem passou a "consumir, consumir", passou a entrar em "conflitos". E Sobrinho Simões, neste ponto, não esquece a globalização, que o fez mudar de opinião depois de "uma fase da vida em que achou que o homem fazia o mundo". Aí, passou a estar cada vez mais convencido de que "é o mundo que faz o homem".
O fundador do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (IPATIMUP) defende por isso que "é nesta área sociocultural que nós passamos a ter mudanças climáticas brutais".
Para o Prémio Pessoa em 2002, "se começarmos a pensar nas alterações da água, solo, energia, biodiversidade, clima, é verdade que estamos a caminhar em grandes áreas do mundo" para uma situação de grande dificuldade "a caminho da insustentabilidade".
Ainda assim, o homem que em 2015 foi considerado o mais influente patologista do mundo prefere deixar para os especialistas a discussão das "grandes razões das profundas alterações climáticas", para refletir "naquelas situações aparentemente mais pequenas", mas ainda assim "determinantes", da "falta de sustentabilidade". Sobrinho Simões dá o exemplo do tráfego e do uso exagerado do plástico.
"Quando falamos nas alterações climáticas, no tufão, no deserto a crescer; tudo isso é verdade e muito preocupante, mas a minha reflexão tem mais a ver com o nosso dia-a-dia e com a necessidade de alterarmos rapidamente hábitos", explica o investigador, que se mostra particularmente impressionado com os efeitos do plástico na natureza. Sobrinho Simões diz que os disruptores endócrinos - substância química existente no plástico - "têm hormonas muito parecidas com os estrogénios e tem um efeito semelhante aos estrogénios, e depois quando vamos estudar os peixes em Crestuma, por exemplo, nós apercebemo-nos de que eles estão a mudar de sexo".
Para além dessa questão, Sobrinho Simões afirma que "temos um problema vergonhoso em Portugal, que é o da poluição luminosa e começamos a ter um problema gravíssimo que é poluição sonora, tudo porque "nós levamos o consumo a um grau em que consumimos de forma inaceitável". "Isto é um problema de sustentabilidade", conclui o prémio Pessoa, que deixa ainda outro exemplo indicativo da forma como o homo sociocultural interfere de forma decisiva na evolução da natureza. Sobrinho Simões cita um artigo de 2014 da revista “Nature” em que o seu autor recorda que "todos os homens são oito vezes a massa de todos os vertebrados" o que é impressionante, "pois demos cabo de tudo".
O Fundador do IPATIMUP não tem dúvidas de que estamos a "a dar cabo da água, do solo, do clima, das pessoas, das comunidades", e isto é uma questão de sustentabilidade.
Como resolver este problema? Sobrinho Simões só encontra duas hipóteses: ou "através de soluções tecnológicas que permitam ao homem emigrar para outros planetas" ou então na sequência de uma qualquer situação catastrófica que "obrigue o homem a evoluir para uma nova espécie", pois "não há nenhum motivo para o homo sapiens ser o fim de linha".
Por fim um alerta: "nós podemos estar a rebentar com o mundo, o meu medo é esse".
Durante a conferência, Manuel Sobrinho Simões não fez referências à sua principal área de atuação, que se situa no tratamento do cancro, mas quando interrogado pela Renascença, o responsável do IPATIMUP garantiu que "cada vez mais vai haver cancros tratáveis", dando mesmo a sua palavra de honra de que “a percentagem de morte por cancro em Portugal está a diminuir".