O incêndio que deflagrou há uma semana na Covilhã e mobiliza mais de 1.600 operacionais deve ser analisado por uma comissão técnica independente semelhante à que estudou os fogos de Pedrógão Grande, em 2017, defendeu esta sexta-feira um investigador.
Joaquim Sande Silva é docente da Escola Superior Agrária de Coimbra (ESAC), tem um doutoramento em Engenharia Florestal e integrou o Observatório Técnico Independente (OTI) criado após os incêndios de 2017.
Em declarações à agência Lusa, o investigador considerou que o incêndio que afeta a serra da Estrela também deve ser analisado por uma estrutura idêntica à criada após os fogos de há cinco anos, mas 'a posteriori', quando terminar.
Segundo Joaquim Sande Silva, o território afetado pelo fogo que deflagrou na madrugada do dia 6 em Garrocho, no concelho da Covilhã, no distrito de Castelo Branco, “tem vários estatutos de proteção, é um Parque Natural, inclui um sítio da Rede Natura2000 e, além disso inclui áreas sujeitas ao regime florestal, que foram alvo de arborizações por parte dos serviços florestais”, constituindo “um património que, mais não seja pelos anos que tem e pela raridade, tem uma importância particular”.
“Em termos da perda real, nós não conseguimos nesta altura ter uma estimativa de qual é”, disse Joaquim Sande Silva, argumentando que “só se saberá exatamente quais foram as perdas depois de se fazer uma análise à severidade do incêndio e depois de se ver, no próximo ano, que árvores conseguiram regenerar e sobreviver”.
O incêndio que deflagrou no concelho da Covilhã já se estendeu ao distrito da Guarda, nos municípios de Manteigas, Gouveia, Guarda e Celorico da Beira.
Questionado sobre a gestão do território nessa zona de Portugal, Sande Silva disse não ter uma posição idêntica à de colegas que colocam o ónus nessa vertente, “porque não é razoável pensar que se consegue gerir cada metro quadrado do território”.
“A organização do território é aquela que é possível, sei por exemplo que numa parte do pinhal que ardeu junto a Verdelhos [freguesia do município da Covilhã] até houve ações de fogo controlado, que é uma técnica que durante o inverno permite reduzir os combustíveis. Foram ações havidas há quatro anos, se não me engano, o próprio parque natural faz a gestão que é possível daquele território, mas eu não vejo que fosse possível fazer muito mais”, sustentou.
Este território até tinha, sublinhou, “uma faixa de rede primária”, que faz uma descontinuidade da massa florestal de 125 metros de largura, e “muito mais do que isso não é possível fazer”.
“Acho que este incêndio, devido ao património que foi afetado e à área extensíssima que já atingiu, é um incêndio que claramente deverá ser alvo de estudo e de análise ‘a posteriori’, não é agora, enquanto as coisas estão a decorrer”, defendeu.
“É preciso ter uma visão independente das coisas”
O investigador apontou como elementos a analisar “o que lá estava em termos de combustível e de paisagem, quais foram os antecedentes em termos meteorológicos e que sinais haviam de que alguma coisa poderia correr mal”.
“Como é que foi feito o ataque inicial, o ataque ampliado e depois todas as fases que têm decorrido até agora, e já estamos a falar de uma semana de fogo, portanto, houve muita coisa que aconteceu e que deve claramente ser alvo de análise por uma entidade independente”, defendeu.
Joaquim Sande Silva lamentou que “não exista nenhuma entidade independente capaz de fazer esse trabalho” de análise e recordou que a OTI criada em 2017, junto da Assembleia da República, “funcionou até 2020 e ainda, durante alguns meses, em 2021, mas, entretanto, não teve continuidade”.
“E, de facto, urge que haja um organismo com as características que lhe quiserem dar, com a organização que lhe quiserem dar, mas que seja independente e possa fazer este tipo de análise ‘a posteriori’ e ver o que falhou para que tivéssemos chegado a este ponto”, propôs.
No terreno ainda está, salientou, um “dispositivo tremendo" e é preciso ter “uma visão independente das coisas”, que “não faça parte do sistema”, porque “os organismos que fazem parte do sistema não podem ter uma visão imparcial sobre o que está a acontecer”.
Segundo o ‘site’ da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, pelas 17h45 combatiam o fogo 1.659 operacionais, apoiados por 468 viaturas e 14 meios aéreos.
Mais de 17 mil hectares arderam até esta tarde de sexta-feira no incêndio rural que lavra desde sábado na serra da Estrela, de acordo com o sistema de vigilância europeu Copernicus.
Segundo informação consultada pela Lusa às 17h45, a área ardida neste fogo é de 17.179 hectares.