As criptomoedas resistem à inflação e “o salário pago hoje terá, pelo menos, o mesmo valor no próximo mês ou próximo ano”, diz o economista alemão Jens Helbig, em entrevista à Renascença.
O valor de moedas digitais como a Bitcoin está sujeito às flutuações do mercado, mas ao contrário das moedas comuns em circulação, como o euro ou o dólar, não se imprimem mais. Esta é apenas uma das mais valias destes ativos, afirma o autor de um manual para quem quer entrar neste mundo, “Da Blockchain ao Criptoinvestidor” (Editorial Presença).
Outra vantagem são as grandes valorizações que têm registado, o que faz com que estas moedas possam vir a ser adotadas a nível mundial.
Para já, os próprios bancos centrais já estudam a melhor forma de avançar com moedas virtuais próprias. No próximo ano podemos ter o primeiro projeto do euro digital, assente na mesma tecnologia usada pelas criptomoedas – a blockchain. Será uma moeda com mais vantagens do que os atuais euros, mas ainda não fará sombra às cripto, defende o economista.
Jens Helbig garante que qualquer um pode comprar moedas virtuais, mas deve perceber onde está a colocar o dinheiro. Assegura ainda que esta tecnologia é segura, mas admite que pode ser usada para fins menos corretos, como branqueamento de capitais, financiamento de terrorismo ou contornar sanções, como se teme que aconteça agora no âmbito da invasão da Rússia à Ucrânia. No entanto, Jens Helbig também sublinha que esta é uma rede aberta, todas as transações são visíveis e, por isso, detetáveis.
Formou-se em Economia, trabalhou vários anos numa empresa familiar. Como surgiu o interesse pelas criptomoedas?
O meu interesse começou em 2017, com as notícias e todas as possibilidades que as criptomoedas estavam a criar. Era uma nova abordagem ao sistema monetário. A maioria das pessoas, nove em cada dez, perde com o atual sistema, aqui estava uma possibilidade de inverter a situação. Pode representar uma mudança, mais igualdade para todos.
Durante mais de uma década discutiu-se se as criptomoedas teriam futuro. Já podemos dizer que vieram para ficar? É "uma verdade adquirida", como diz Schopenhauer?
Sim, já não desaparecem. Agora só falta perceber que moedas vão vingar. Neste momento temos milhares de criptomoedas, a maioria não passam de projetos, mas há também muitas que são sólidas. A Bitcoin ou a Ethereum são exemplos de moedas já bastante desenvolvidas e com vantagens estabelecidas, seria bastante difícil que desaparecessem nesta fase.
Há empresas do grupo das 500 maiores do mundo que já trabalham juntas com a chamada Aliança Síria, para implementar uma nova tecnologia. Também a MasterCard está a desenvolver um projecto de pagamentos com cripto, à semelhança do PayPal.
Temos grandes empresas internacionais realmente interessadas, que querem introduzir a tecnologia, devido às vantagens que oferece, face ao sistema atual.
Já vemos as moedas digitais em todo o tipo de investimentos, da arte, ao desporto. Poderá vir a tornar-se vulgar o pagamento de salários e a compra de bens e serviços em criptomoedas?
Absolutamente. Neste momento o que se passa é que, na maioria dos casos, os salários que estão a ser pagos não compensam a subida da inflação. Negociamos o salário e um ou dois anos depois a inflação tira-nos o poder de compra que tínhamos adquirido.
Os salários ajustam muito lentamente, até que sejam negociados estamos a perder dinheiro, semana a semana, mês a mês, e de cada vez vai diminuindo a capacidade de compra.
Faz sentido que as pessoas prefiram as criptomoedas, porque têm uma tendência deflacionária. Se temos uma certa quantidade de moedas, não é possível simplesmente imprimir mais dinheiro como fazem os Bancos Centrais com o euro ou o dólar, por exemplo. As cripto estão associadas a um programa informático, muito seguro, funciona em rede, para que ninguém possa fazer batota e enganar o sistema. Ninguém pode decidir imprimir mais criptomoedas porque os outros computadores e o protocolo não vão permitir, existe um algoritmo que previne burlas.
Na prática, ninguém pode desvalorizar as criptomoedas por imprimirem mais, como acontece com as moedas comuns. Em comparação com o euro, que está sempre a desvalorizar, tem imensas vantagens, sabemos que o salário pago hoje será o mesmo no próximo mês.
O Banco Central Europeu (BCE) está a estudar o lançamento de dinheiro virtual, euros virtuais. Serão uma concorrência às criptomoedas ou não se pode comparar?
Tudo depende de como for desenhado. Já temos criptomoedas que não são deflacionárias, agora a grande pergunta é se os Bancos Centrais vão aceitar dinheiro deflacionário, será mais estável mas, ao mesmo tempo, não permite margem monetária para estímulos económicos, por exemplo, pela impressão de mais dinheiro.
Acredito que os supervisores vão querer manter a flexibilidade estratégica de controlar a quantidade de dinheiro em circulação, como acontece hoje.
Ainda assim, estes euros virtuais serão mais vantajosos, na ótica do cliente ou utilizador?
Talvez não seja tão boa como uma bitcoin, mas o euro virtual terá todas as vantagens tecnológicas. Atualmente, o eurosistema usa programas e sistemas já ultrapassados, a tecnologia blockchain será uma evolução, permite transferir dinheiro em tempo real e de forma segura porque está assente num protocolo, em uma rede de computadores ligados por um algoritmo.
Será mais seguro, rápido e fácil, mas ainda não será uma moeda deflacionária nem descentralizada.
As criptomoedas têm sido notícia depois da invasão da Ucrânia, por permitirem à Rússia contornar as sanções. Como se podem prevenir pagamentos ilegais ou mesmo criminais com criptomoedas?
Só podemos impedir se soubermos exatamente quem é o remetente do dinheiro digital e para que finalidade o dinheiro foi enviado. Sem esta informação, quem será punido?
Este é um desafio que ultrapassa as criptomoedas, pois qualquer moeda ou ferramenta pode ser usada para o bem ou para o mal e muitas vezes só sabemos depois. No entanto, como o Bitcoin e muitas outras criptomoedas funcionam com um livro aberto, todas as transações são visíveis publicamente. Portanto, se os criminosos foram tão tolos ao usar, digamos, o Bitcoin para transações ilegais, os serviços de inteligência estatais podem, com algum esforço e dados adicionais, descobrir os detalhes exatos de uma transação e o histórico de transações desse dinheiro.
Este trabalho pode revelar informações e “insights” valiosos para rastrear os próprios criminosos e colaboradores. Com outras formas de pagamento, isso já não seria possível.
Os reguladores, supervisores e mesmo governos já estão a reagir, para impedir que as criptomoedas sejam utilizadas no âmbito desta guerra na Europa. Isto pode ser uma ameaça a este investimento?
O escrutínio público é o desenvolvimento natural de qualquer tecnologia importante e é necessário para legitimar a sua existência. É claro que nem todas as criptomoedas vão sobreviver a este escrutínio, o tempo todo.
Em relação ao Bitcoin e ao Ethereum, acho que já provaram, várias vezes, que podem não apenas resistir à opinião pública como sair ainda mais fortes. Sempre que isso acontece, é uma confirmação pública de que estas criptomoedas estão aqui para ficar. São credibilizadas e, como resultado, temos cada vez mais pessoas a utilizarem estas moedas digitais.
Penso que os reguladores podem impactar a taxa de câmbio das criptomoedas – especialmente no curto prazo. No médio e longo prazo, acho que estamos definitivamente em uma tendência de alta muito positiva. Mas isto não é um conselho financeiro.
As criptomoedas são um investimento acessível? Mais de metade deste livro é uma espécie de dicionário pelo mundo das moedas digitais e temos a sensação que continuam a surgir novos termos.
Sim, tudo isto é como um organismo vivo, em evolução. A todo o momento há novos desenvolvimentos. Desde que surgiu o Bitcoin e começou a ser desenvolvida a tecnologia, foi evoluindo e foi descobrindo novas aplicações e usos. Mesmo a tecnologia blockchain está a ser aplicada e a revolucionar diferentes áreas.
Este é também um investimento com risco calculado, porque existem potenciais áreas cinzentas.
É possível investir bem sem dominar esta linguagem, este mundo?
Sim, completamente. Há diferentes formas de investir, que também exploro neste livro. Uma das mais fáceis é comprar um exchange-traded fund (ETFs), um fundo negociado em bolsa que podemos comprar através da conta corrente e mantê-lo na carteira de ativos no banco, é comprado da mesma forma que as ações. É como um fundo de índice, acompanha os movimentos das criptomoedas.
Há ainda outras formas fáceis de investir, sem exposição direta, como comprar participações em empresas com grande exposição ao Bitcoin ou criptomoedas, será das empresas o trabalho de liderarem com os criptoativos.
Faz parecer tudo muito fácil. Temos assistido à entrada de muitos novos investidores neste mercado, com pouco ou nenhum conhecimento nesta área, isso não é um risco? Um estudo recente diz que 2021 foi o ano com mais fraude neste investimento.
Ainda estamos nos primórdios deste investimento, a tecnologia é completamente nova, é como uma nova classe de ativos. É uma situação rara, temos a oportunidade de explorar, como os primeiros garimpeiros que procuravam ouro. É uma grande oportunidade. Temos um crescimento exponencial, a bitcoin começou por valer alguns cêntimos e agora ronda os 40 mil euros. Se isto continuar assim pode chegar a tal ponto que acabará por ser adoptada como moeda mundial, porque não tem nenhuma empresa por detrás, como acontece noutros casos, o inventor da bitcoin desapareceu e nenhum governo pode influenciar a moeda. É uma grande vantagem da bitcoin.
Regressando à pergunta, ainda há grandes oportunidades nesta área. Há cada vez mais empresas e estabelecimentos a aceitar bitcoins, também em Portugal, pelo que li. Potencialmente, todos os seres humanos do planeta podem ser utilizadores potenciais de criptomoedas, livres de controlos governamentais.
O facto de ainda não estar completamente regulamentada é também uma oportunidade de negócio?
Exatamente. Sobretudo em Portugal, onde ainda não é vista como uma moeda e, por isso, os investidores estão isentos de impostos. Isto faz com que Portugal seja atrativo, as pessoas que investem em bitcoins preferem este tipo de países.
Na Europa há mais países como Portugal que ainda não taxam o investimento em criptomoedas?
Não, Portugal é dos poucos. A Suíça também é amiga das criptomoedas, mas este é um caminho que cada país está a fazer ao seu ritmo.
Acabaremos por ter uma abordagem europeia. O BCE já está a investigar a conversão digital do euro, em 2023 podemos ter a primeira experiência do euro digital, suportado pela nova tecnologia blockchain.
Aos investidores, recomenda cinco regras de ouro. Quais são?
A primeira tem a ver com rumores e factos, não devemos dar ouvidos ao que se diz, mas colocar o dinheiro no que acreditamos e está comprovado. Ainda assim, comprar o que anda de boca em boca pode ser um bom investimento, mas devemos vender aos primeiros sinais de fumo.
Devemos investir no que conhecemos, não ir atrás de um vídeo promocional ou de um bom logotipo.
Evitar concentrar o dinheiro, a diversificação é amiga do investimento. Por exemplo, dispersar o dinheiro por mais do que uma criptomoeda ou projeto. Desta forma podemos não ganhar tanto, mas também travamos as perdas potenciais.
É ainda preciso ter atenção às burlas e embustes, não somos mais espertos do que aqueles que andam a tentar enganar o sistema, grupos que dizem controlar as valorizações e acabam por enganar os que entram por último. Quem perde nem pode reclamar.
Acompanhar o investimento, não é preciso andar a toda a hora em cima do dinheiro, mas é preciso ter atenção ao que se passa à volta e confiar no instinto.