O Tribunal da Relação decidiu remeter para as autoridades de Angola o processo do ex-vice-presidente Manuel Vicente.
A Renascença teve acesso ao acórdão da Relação de Lisboa, que foi assinado e aprovado por unanimidade por dois juízes - o relator é Cláudio Ximenes, de ascendência timorense.
Os dois juízes consideram que a vigência de uma lei de amnistia em Angola não é, por si, motivo de risco de que não haja boa administração da justiça. Lembram que essa figura faz parte do sistema judicial angolano como do português.
Por outro lado, este tribunal de segunda instância lembra outro facto que foi também sempre desvalorizado pelo Ministério Público português: a existência de acordo de cooperação jurídica e judiciária entre Portugal e Angola, que visam garantir o exercício do direito de cada um dos Estados a perseguir criminalmente quem viole a lei penal, através da boa administração da justiça.
A defesa argumentou que Manuel Vicente goza de imunidade, um ponto rejeitado pelo Tribunal da Relação. “As normas legais e constitucionais de Angola que conferem imunidades e privilégios de foro ao ex-vice-presidente da República de Angola são obrigatórias para as autoridades judiciárias angolanas, mas não para as portuguesas”, refere o acórdão.
O Ministério Público disse, entretanto, à Renascença que não vai recorrer porque entende que o código de processo penal, nos termos do artigo 400 número 1, alínea C, não lhe confere essa possibilidade.
Os advogados de Manuel Vicente estão satisfeitos com a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa.
"A equipa de advogados deseja apenas manifestar publicamente para já a sua satisfação com a decisão, não só por reconhecer razão ao nosso recurso e ao que sempre defendemos como podendo ser uma solução juridicamente adequada", lê-se no comunicado enviado pela defesa à agência Lusa.
A decisão de enviar para Angola o processo de Manuel Vicente, que em Portugal foi acusado de corrupção ativa e branqueamento de capitais, "pode contribuir para afastar qualquer possível clima ou ideia de desconfiança ou desconsideração entre sistemas jurídicos de Estados soberanos e cooperantes", entende a equipa de advogados, liderada por Rui Patrício.
Manuel Vicente é acusado de ter corrompido o ex-procurador português Orlando Figueira, no processo Operação Fizz, com o pagamento de 760 mil euros, para o arquivamento de dois inquéritos, um deles o caso Portmill.
O julgamento do caso decorre em Lisboa, mas a Justiça portuguesa não conseguiu notificar Manuel Vicente e separou o seu processo.
O ex-vice-presidente beneficia actualmente de um regime de imunidade em Angola, por ter sido governante, mas poderá ser julgado cinco anos após o fim do seu mandato, em 2022.
A decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, conhecida esta quinta-feira, é a resposta ao recurso apresentado pela defesa do ex- vice-presidente angolano.
O processo de Manuel Vicente na Operação Fizz, que a 22 de janeiro o tribunal de primeira instância decidiu separar dos restantes arguidos, aguardava por esta decisão do Tribunal da Relação de Lisboa sobre o envio ou não para Angola.
Para a defesa do ex-governante angolano, as questões relacionadas com Manuel Vicente deviam ser analisadas pela justiça angolana, apontando mecanismos previstos no Direito Internacional e nos Direitos internos em matéria de cooperação judiciária.
Uma posição que tinha sido rejeitada pelo Ministério Público. A Procuradora-Geral da República, Joana Marques Vidal, fundamentou a recusa em enviar o processo para Luanda no facto de as autoridades angolanas terem dito “não haver qualquer possibilidade de cumprimento de eventual carta rogatória que, porventura, lhes fosse endereçada para audição e constituição como arguido de Manuel Vicente, por considerar que o mesmo é detentor de imunidade”. Baseou-se também na comunicação de que factos de que Manuel Vicente é acusado estariam abrangidos, em Angola, pela Lei da Amnistia.
A PGR revelou ainda que as autoridades angolanas comunicaram que “não era possível saber, com antecedência, se se aplicaria esta ou aquela lei da ordem jurídica angolana, quando questionada genérica e teoricamente se a Lei da Amnistia seria aplicável ao caso concreto”.
As relações diplomáticas entre os dois países têm estado praticamente congeladas, desde que Manuel Vicente foi acusado de corrupção em Portugal.
O Presidente angolano, João Lourenço, classificou a atitude da Justiça portuguesa como uma ofensa para o seu país, tendo afirmado que as relações entre Portugal e Angola vão “depender muito” da resolução do processo de Manuel Vicente.