O sangue dos mártires cristãos do Iraque deve ser semente de perdão e coexistência, e não de violência e ódio, disse esta sexta-feira o Papa Francisco.
O local escolhido pelo Papa para este encontro está carregado de significado. Em 2010 esta igreja foi palco de um terrível massacre, quando seis militantes jihadistas interromperam uma celebração religiosa e mataram 48 pessoas, incluindo dois padres, e ferindo perto de 80.
O Papa referiu o assunto logo a abrir o seu discurso, mas usou-o para apelar ao perdão em lugar da vingança e do ressentimento.
“Estamos reunidos nesta Catedral de Nossa Senhora da Salvação, abençoados pelo sangue dos nossos irmãos e irmãs que aqui pagaram o preço extremo da sua fidelidade ao Senhor e à sua Igreja. Que a recordação do seu sacrifício nos inspire a renovar a nossa confiança na força da Cruz e da sua mensagem salvífica de perdão, reconciliação e renascimento. Na verdade, o cristão é chamado a testemunhar o amor de Cristo em todo o tempo e lugar. Este é o Evangelho que se deve proclamar e encarnar também neste amado país.”
Francisco realçou ainda que o exemplo dos mártires siro-católicos, cujo processo de beatificação está em curso, é um testemunho contra a intolerância religiosa. “A sua morte lembra-nos fortemente que o incitamento à guerra, os comportamentos de ódio, a violência e o derramamento de sangue são incompatíveis com os ensinamentos. E quero recordar todas as vítimas de violências e perseguições, pertencentes a qualquer comunidade religiosa.”
“Amanhã, em Ur, encontrarei os líderes das tradições religiosas presentes neste país, para proclamarmos mais uma vez a nossa convicção de que a religião deve servir a causa da paz e da unidade entre todos os filhos de Deus”, afirmou o Papa.
Contra a pandemia do desânimo
Embora a perseguição aos cristãos viesse a ser superada pelo Estado Islâmico depois da queda de Mossul, em 2014, o massacre da Igreja de Nossa Senhora da Salvação deixou a comunidade cristã profundamente traumatizada e acelerou o êxodo dos cristãos para outras regiões do país, mas sobretudo para o ocidente.
Atualmente restam no Iraque cerca de 200 a 300 mil cristãos, quando em 2003, antes da invasão e queda do regime de Saddam Hussein, eram cerca de 1,5 milhões.
“As dificuldades fazem parte da experiência diária dos fiéis iraquianos. Nas últimas décadas, vós e os vossos concidadãos tivestes de enfrentar os efeitos da guerra e das perseguições, a fragilidade das infraestruturas básicas e uma luta contínua pela segurança económica e pessoal, que muitas vezes levou a deslocamentos internos e à migração de muitos, inclusive cristãos, para outras partes do mundo. Agradeço-vos, irmãos bispos e sacerdotes, por terdes permanecido junto do vosso povo, apoiando-o, esforçando-vos por satisfazer as carências das pessoas e ajudando cada um a fazer a sua parte ao serviço do bem comum”, disse o Papa.
Francisco apelou aos líderes cristãos para que não se deixassem desencorajar e comparou o que chamou o “vírus do desânimo” com o momento atual de pandemia.
“É fácil ser contagiado pelo vírus do desânimo que às vezes parece difundir-se ao nosso redor. Mas o Senhor deu-nos uma vacina eficaz contra este vírus mau: é a esperança, que nasce da oração perseverante e da fidelidade diária ao nosso apostolado. Com esta vacina, podemos prosseguir com energia sempre nova, para partilhar a alegria do Evangelho como discípulos missionários e sinais vivos da presença do Reino de Deus, Reino de santidade, justiça e paz.”
“Quanta necessidade tem o mundo ao nosso redor de ouvir esta mensagem! Não esqueçamos
jamais que Cristo é anunciado sobretudo com o testemunho de vidas transformadas pela alegria do Evangelho”, sublinhou o Papa, que os animou a “perseverar neste compromisso, a fim de garantir que a Comunidade Católica no Iraque, apesar de pequena como um grão de mostarda, continue a enriquecer o caminho do país no seu conjunto”.
Francisco referiu de forma especial os jovens, que são mais atingidos pela vontade de abandonar a terra dos seus antepassados. “Aqui não existe apenas um património arqueológico inestimável, mas também uma riqueza incalculável para o futuro: são os jovens! São o vosso tesouro e é preciso cuidar deles, alimentando os seus sonhos, acompanhando o seu caminho, aumentando a sua esperança. Com efeito, apesar de jovens, a sua paciência já se viu colocada duramente à prova pelos conflitos destes anos. Lembremo-nos de que eles, juntamente com os idosos, são a ponta de diamante do país, os frutos mais saborosos da árvore: cabe-nos cultivá-los no bem e irrigá-los de esperança”, afirmou Francisco, neste seu discurso aos líderes católicos.
“Que todos sejam um”
Francisco foi acolhido na Igreja de Nossa Senhor da Salvação por dois patriarcas católicos. O patriarca da Igreja Caldeia Católica, Louis Raphael Sako, que lidera a maior comunidade cristã do Iraque, e Inácio José III, da Igreja Siríaca Católica, uma outra igreja católica de rito oriental, a que pertenciam os fiéis martirizados naquele espaço.
A existência de diversas comunidades e igrejas cristãs foi assinalada e elogiada pelo Papa que, contudo, não deixou de criticar qualquer manifestação de desunião, algo que tem sido apontado por muitos como um obstáculo à vida dos cristãos no país, e no Médio Oriente em geral.
“As diversas Igrejas presentes no Iraque, cada qual com o seu secular património histórico, litúrgico e espiritual, são como tantos fios de variegadas cores que, entrelaçados conjuntamente, compõem um único belíssimo tapete, que não só atesta a nossa fraternidade, mas remete também para a sua fonte, pois o próprio Deus é o artista que idealizou este tapete, que o tece com paciência e prende cuidadosamente querendo-nos sempre bem entrelaçados entre nós, como seus filhos e filhas. Esteja sempre no nosso coração esta exortação de Santo Inácio de Antioquia: ‘Nada haja entre vós que possa dividir-vos (...), mas fazei tudo em comum: uma só oração, uma só prece, uma só alma, uma só esperança na caridade e na santa alegria’, disse Francisco.
“Como é importante este testemunho de união fraterna num mundo que se vê frequentemente fragmentado e dilacerado pelas divisões! Todo o esforço feito para construir pontes entre comunidades e instituições eclesiais, paroquiais e diocesanas aparecerá como gesto profético da Igreja no Iraque e como resposta fecunda à oração de Jesus para que todos sejam um só”, pediu ainda o Papa.
No final do seu discurso, o Papa recebeu de presente uma estola feita especialmente para ele por cristãos que sobreviveram ao Estado Islâmico.
Este foi o segundo discurso do Papa em solo iraquiano, numa visita que começou esta sexta-feira e termina na segunda-feira.
Antes, Francisco falou às autoridades políticas, civis e diplomáticas do Iraque, pedindo direitos iguais para os cristãos naquele país.
[Notícia atualizada às 15h33]