A guerra na Faixa de Gaza pode fazer aumentar o tráfico de seres humanos. Quem o afirma é André Costa Jorge, diretor do Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS), que adianta, em declarações à Renascença, que "tem havido um aumento de vítimas de tráfico" e que existe o receio de que "em situações de desastre humanitário haja maior propensão" para a prática deste crime.
O responsável afirma que "sempre que existem deslocações em massa, isso significa para as redes de tráfico uma oportunidade de negócio; maiores oportunidades de negócio, de abuso e de aproveitamento de situações de vulnerabilidade". Costa Jorge destaca em particular “o risco acrescido para crianças e mulheres”.
“Estes tipos de ações estão associados à deslocação de população em massa. No caso da Palestina estamos a falar de um milhão de pessoas a deslocarem-se. No caso da Ucrânia foram alguns milhões. E normalmente, nestes casos, as redes de tráfico e as máfias funcionam como predadores", acrescenta.
Também Eugénia Costa Quaresma, Diretora da Obra Católica Portuguesa das Migrações (OCPM), admite o aumento do número de casos de tráfico de pessoas, dando o exemplo do que aconteceu com o "fluxo migratório na Ucrânia".
“Sabemos que as guerras podem fazer aumentar este flagelo. Nós sabemos que, enquanto as pessoas fugiam da Ucrânia, havia máfias nas fronteiras e selecionar e a levar mulheres”, denuncia. Admite, por isso, que “nesta guerra em particular (Faixa de Gaza), que nos perturba a todos, isto também pode acontecer; também podemos ter aqui máfias”.
Combate ao fenómeno exige maior fiscalização e atuação na origem
A diretora da OCPM chama ainda a atenção para os "casos de exploração laboral" que em sua opinião também potenciam o aumento do tráfico. Eugénia Quaresma diz que "quem trabalha no terreno sente que é preciso combater as redes mafiosas na origem. Perceber onde começam a atuar e tentar travá-las logo aí ".
Por sua vez, o diretor do JRS atribui também o aumento do fenómeno à "inércia e à pouca fiscalização" por parte das autoridades, e entende ser necessário "haver legislação clara" e também um olhar diferente para os migrantes, que "não podem ser olhados como culpados, como criminosos, mas sim como vítimas", sublinha.
Neste Dia Europeu Contra o Tráfico de Seres Humanos, André Costa Jorge diz que “estas datas existem por causa da dimensão de ocultação e de ignorância que estas realidades têm para o cidadão comum”.
“De facto, existem milhares de pessoas que na sua condição de vulnerável são traficadas todos os anos e a tendência tem sido de haver um aumento das vítimas de tráfico que alimentam as redes de trabalho escravo, redes de prostituição e até redes de venda de órgãos humanos”. André Costa Jorge sublinha que “é uma área do crime que, a par do tráfico de armas, é das mais rentáveis e também das mais difíceis de detetar”.
Congregações religiosas femininas "pioneiras" neste combate
O Dia Europeu contra o Tráfico de Seres Humanos, como outras efemérides ao longo do ano, pretende alertar para um fenómeno a que Portugal não escapa, pelo contrário. “Somos país de origem, país de trânsito e país de destino", diz à Renascença a irmã Julieta Mendes.
Esta religiosa do Sagrado Coração de Maria, lembra o pioneirismo da Igreja neste combate, em particular as congregações femininas, que em Portugal criaram em 2007 a CAVITP – a Comissão de Apoio às Vítimas do Tráfico de Pessoas, que atua no âmbito da CIRP, a Confederação dos Institutos Religiosos de Portugal.
A Comissão, a que preside, colabora com as autoridades civis e policiais, e desdobra-se em ações de sensibilização e alerta. A sociedade portuguesa, diz Julieta Mendes, até pode estar mais sensibilizada para o fenómeno, mas no mundo laboral continua a haver quem feche os olhos e só pense no lucro, e é preciso estar alerta para as "novas formas de escravidão".
“As outras pessoas são coisas que se podem comprar, vender e deitar fora, isto quer em termos de traficantes, quer em termos de clientes”, denuncia.
"Na construção civil, restauração ou no serviço doméstico, os empresários que exploram não podem dizer que ignoravam, porque basta estas pessoas não terem os requisitos que qualquer trabalhador em Portugal tem de ter para estar legalmente a trabalhar, para saberem que alguma coisa não está certa. Por isso é que na mensagem deste ano quis dirigir-me essencialmente aos traficantes e aos clientes”, explica.
A irmã Julieta garante empenho total das congregações religiosas femininas nesta luta, que em temos pessoais assume como um objetivo de vida. “Se eu amanhã estiver numa cadeira de rodas, continuarei a falar contra o tráfico de pessoas! A minha grande alegria seria dizer ‘finalmente já não é preciso, foi erradicada esta escravatura no nosso tempo’. Só aí é que eu ficaria sossegada. Mas, enquanto Deus me der capacidade para falar, eu falarei”.
Em 2022, de acordo com o Relatório Anual de Segurança Interna, foram instaurados 126 inquéritos, constituídos 28 arguidos e efetuadas 40 detenções no âmbito da criminalidade relacionada com o tráfico de seres humanos em Portugal.
Números superiores aos registados no ano anterior. O Relatório de 2021 indica que foram instaurados 98 processos de inquérito, constituídos 18 arguidos e efetuadas 7 detenções.