Militante socialista e candidata a Belém, Ana Gomes assegura ter o apoio de vários ministros do Governo à sua candidatura à Presidência da República, mas também diz que há outros que não quer ver ao seu lado. Em entrevista ao programa Hora da Verdade, da Renascença e do Público, a diplomata garante que não vai pedir dinheiro à banca para a sua campanha e diz que tem muito orgulho em ter Paulo Pedroso a trabalhar consigo. E responde a Santos Silva e a quantos a acusam de extremismo.
A comissão nacional do PS vai discutir ainda este mês as presidenciais. Já está resignada à ideia de que o seu partido não vai apoiar a sua candidatura ou ainda espera um sinal?
Não se trata de me resignar. Esperei durante algum tempo que o partido se definisse. Não o tendo feito, decidi avançar e agora não quero de maneira nenhuma interferir numa decisão do PS. Tenho confiança que as pessoas, os militantes socialistas, sabem pensar pela sua própria cabeça. Acho positivo que haja uma reunião marcada para o dia 24 de outubro [entretanto adiada para dia 31 deste mês] e aguardo serenamente aquilo que lá for decidido.
Na apresentação da sua candidatura afirmou que o PS tem mecanismos para apoiar candidatos. Considera que as eleições primárias podiam ser um bom mecanismo para escolher quem apoiar nestas presidenciais?
Não me parece que isso fosse necessário. Reunir os diversos órgãos do partido para escolher quem apoiar nas próximas eleições presidenciais pode fazer-se. Tem é de ser os órgãos que existem [a decidir], não pode ser uma cabeça. E isso vai ao encontro do que o ministro Pedro Nuno Santos recentemente afirmou: não é nenhum membro do Governo, nem nenhum militante sozinho, por mais responsável que seja, designadamente o secretário-geral, que pode prescindir de ouvir os órgãos do partido.
Pedro Nuno Santos teve essa reacção depois de declarações do ministro Augusto Santos Silva, que fez um grande elogio a Marcelo Rebelo de Sousa, defendeu que é preciso uma voz serena na Presidência da República e que essa voz não era a de Ana Gomes. Que resposta lhe merecem declarações de militantes do PS que lhe colam esta imagem de extremista?
Todos os militantes, a começar por Augusto Santos Silva, têm o direito de ter a sua opinião a meu respeito [risos]. Não aceito é a imagem de extremista. Aceito que digam que em algumas questões sou radical. Sou radical contra os compadrios, contra as clientelas, contra a corrupção, para me valer da expressão do Presidente da República. Se isso leva algumas pessoas a consideram-me extremista, o problema é delas.
E há também quem a acuse de populismo...
É a mesma reação: se populismo é ouvir o que pensam as pessoas, então serei populista. Agora não sou populista no sentido de quem quer dividir o país entre eles e nós, os políticos e nós o resto do povo. Eu sou uma política, assumo-me como tal, não sou é por aqueles que querem destruir as instituições da democracia. Eu quero reformar, regenerar as instituições da democracia e não posso abstrair-me do facto de que boa parte da subida dos perigosos populistas, designadamente de extrema-direita, com desígnios de destruir a democracia, só acontece porque há muitos dentro do sistema democrático que preferem tapar os olhos.
Já falou com o secretário-geral do PS depois de ter apresentado a sua candidatura?
Não falo com o secretário-geral do PS para aí... há dois anos, desde que ele apareceu no Parlamento Europeu [PE], cerca de um mês depois de eu lhe ter enviado uma carta a dizer que não queria voltar a ser candidata ao PE e agradecendo-lhe a grande oportunidade que o PS me tinha dado de servir o país e os interesses nacionais no PE.
E com o dirigente do PS Pedro Nuno Santos já falou, entretanto? Ele quase já deu o apoio à sua candidatura, ainda que indiretamente.
Isso é uma interpretação que está a fazer...
Foi quase, quase, quase.
Tenho falado com vários membros do Governo...
Para além de Pedro Nuno Santos? Quais?
Tenho falado com vários sobre várias questões que vou tratando.
E dão-lhe o seu apoio?
Tenho vários membros do Governo que já me disseram que me apoiarão. Naturalmente, democraticamente estão à espera que o PS tome uma decisão sobre esta questão, não se revendo nas indicações que foram dadas naquela triste cena da Autoeuropa.
Gostava que, por exemplo, o ministro Pedro Nuno Santos, aparecesse na sua campanha?
Neste momento essa questão não se coloca, mas naturalmente que eu terei todo o orgulho em que certos dirigentes socialistas deem apoio à minha campanha. Também devo dizer que há outros que preferia que não aparecessem [risos].
Não quer dizem quem?
Não vale a pena, eles sabem quem são [risos]. Deixe-me ser diplomata.
Arrancou com a sua pré-campanha na segunda-feira [5 de Outubro] com um colóquio em Lisboa que agora vai estender a vários pontos do país. A estrutura da campanha já está montada?
Tem-se ido montando, porque quando anunciei [a candidatura] não tinha rigorosamente nada. Devo dizer que tem sido complicado. Para já é preciso conhecer as leis que regulam o funcionamento de uma campanha, designadamente para questões financeiras. (…) A questão do financiamento também é importante, porque eu quis inovar no sentido de demonstrar aquilo que disse: que aceito todos os apoios do campo democrático, mas não aceito compromissos e, portanto, também não aceito financiamentos que não sejam absolutamente transparentes e com um tecto de 100 euros [por pessoa].
Embora a lei diga que podia receber donativos individuais até pouco mais de 26 mil euros...
Não quero seguir a lei nesse aspeto, embora a lei não proíba que se coloque um teto de 100 euros.
Não vai precisar de pedir empréstimos à banca?
Não. De certeza que não vamos pedir empréstimos à banca.
Mas já fez uma estimativa de quando vai custar a campanha?
Esse é um dos problemas, justamente fazer uma estimativa de orçamento, porque, de resto, é da lei que se tem de entregar no inicio da campanha à autoridade fiscalizadora das contas [quanto se vai gastar na campanha]. O esquema está feito, no fundo, para facilitar a vida aos partidos políticos que já existem, porque já têm tudo isso.
Em termos de mobilização, o PS pode ou não travar a mobilização dos militantes e das distritais pela sua campanha? De resto, foi o aconteceu um pouco na campanha de Maria de Belém, em 2016, em que as ações de campanha foram um fracasso.
Não acredito nisso. Tenho confiança que os socialistas, na sua esmagadora maioria, sabem distinguir o que são as preferências pessoais de algumas pessoas e o que serve os interesses do país e serve os interesses do próprio PS. (…) Quando PS esteve unido em torno de uma candidatura presidencial fez a diferença e elegeu o Presidente da República. Quando o PS não teve posição, ou se dividiu, os candidatos da direita foram eleitos. E neste momento, acho que os socialistas têm de ter presente que temos tempos duros para o país e, mais do que nunca, é necessária uma boa articulação com a Presidência da República, mas uma articulação que sirva a democracia, e que não seja de entendimentos de bastidores.
Paulo Pedroso, ex-ministro do PS, ex-militante, envolvido no processo Casa Pia no início deste século...
Injustamente...
Paulo Pedroso está na sua campanha. Esta presença não pode condicionar um pouco o próprio desenrolar da campanha ou até inibir alguns votos?
A muito amigos e apoiantes meus que me têm chamado à atenção para o facto de ter Paulo Pedroso na minha estrutura organizativa poder ser dissuasor de outros apoios eu digo: esta candidatura não é só por votos. Esta candidatura é por princípios, por valores e pela afirmação da justiça. A defesa dos injustiçados é, sem dúvida, uma das questões que sempre me motivaram. Não tenho dúvidas nenhumas de que Paulo Pedroso foi grosseiramente injustiçado, utilizado para eventualmente desviar atenções de outros. Não foi o único, mas foi. Nesse processo da Casa Pia nem as crianças vítimas foram devidamente ressarcidas, nem os verdadeiros responsáveis foram punidos. Eu conheço bem Paulo Pedroso, disse-o na altura e digo-o hoje. Tenho muito orgulho em ter Paulo Pedroso comigo, ele foi injustiçado, tenho confiança em Paulo Pedroso e ele foi depois ilibado por dois tribunais portugueses e pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos...
Não vê a sua presença, portanto, como um obstáculo...
Eu estou aqui e quem estiver comigo tem de fazer confiança em mim e fazer confiança na confiança que eu tenho em Paulo Pedroso. Que não é de agora, é de sempre. Se outros não tiveram coragem de o defender quando devia ter sido defendido, eu tive e tenho.