O humorista brasileiro Gregório Duvivier regressa aos palcos portugueses, mas desta vez com uma peça de teatro, um monólogo que parte de um texto clássico. De 7 a 10 de dezembro o ator vai percorrer quatro salas com a peça “Sísifo”, um espetáculo que cruza a mitologia grega, com o que Duvivier diz serem os absurdos do quotidiano, incluindo a política brasileira.
Em entrevista ao programa Ensaio Geral da Renascença, Duvivier explica que a peça que nasceu sobre o mito grego de Sísifo, cedo se transformou. “Vai muito além do mito. Tenta interpretar a nossa vida, o quotidiano à luz do mito grego. Fala de direitos sociais, de política no sentido em que a democracia no Brasil é essa pedra que sempre rola ladeira abaixo e a gente tem de a reerguer”, explica.
No rescaldo da reeleição de Lula da Silva, Gregório Duvivier explica que trabalhou nesta peça com Vinicius Calderoni, um autor da sua geração “muito interessante” e com quem tinha “muita coisa” sobre a qual queriam falar.
“Queríamos falar desse enigma que é o Brasil que nos persegue, mas também de amor, da vida, de envelhecer, de filhos, de paternidade”, detalha Duvivier que conclui, que o mito de Sísifo foi “esse guarda-chuva onde cabia tudo” o que queriam abordar.
O cocriador do coletivo humorista Porta dos Fundos apresenta-se sozinho em palco. Fazer um monólogo é nas suas palavras “uma dificuldade” que confessa, adorar. “Fico sempre morrendo de medo antes de entrar em cena. Sempre me arrependo de ter escolhido esta profissão. Ao mesmo tempo, é sempre muito gostoso estar no palco. Então, é aquela contradição que assola os atores. Nunca é fácil, mas sempre vale a pena”, admite Gregório Duvivier.
No palco, o ator encarna várias personagens tipo num texto que passa pela comédia, a tragédia, a poesia, nunca esquecendo o poder libertador do humor. A peça vai estar em cena dia 7, no palco do Grande Auditório, do Centro Cultural de Belém, depois dia 8 no Teatro Sá da Bandeira, no Porto, dia 9, em Coimbra, no Convento de São Francisco e dia 10, no Centro de Artes de Águeda.
“No Brasil a democracia nunca está ganha”
Durante a campanha para as presidenciais no Brasil, Gregório Duvivier declarou apoio público ao candidato, e vencedor das eleições, Lula da Silva. Sobre a mudança política que se irá concretizar em janeiro, o ator mostra-se confiante na sociedade civil brasileira e avisa “para que haja liberdade, vai ser preciso que o Brasil seja intolerante, com os intolerantes”. Na sua opinião “é o único jeito de garantir a liberdade”.
De acordo com o humorista, daqui até à tomada de posse do novo presidente “tudo pode acontecer no Brasil”. Contudo, Duvivier admite: “Ao mesmo tempo confio, não na democracia brasileira, porque ela é muito frágil, mas na população brasileira que se viu muito exaurida do governo Bolsonaro, desse extremismo, dessa incompetência e que votou por mudança. É a grande maioria do povo que escolheu Lula”, sublinha o ator.
Considerando que o espetáculo que traz a Portugal é também uma resposta artística ao momento que o Brasil atravessa, Gregório Duvivier considera que há agora maior clima de confiança, mas alerta, “no Brasil a democracia nunca está ganha”.
Comparando por oposição com o que aconteceu com os militares que fizeram a revolução em Portugal em 1974, Duvivier lembra que no Brasil, “as forças armadas são muito golpistas”. “Seria muito feio para as forças armadas desrespeitar a decisão. Acho que vão tentar, estão tentando, mas a sociedade civil é muito unanime em condenar Bolsonaro”, explica o ator que conclui: “Acredito na força da sociedade civil em condenar Bolsonaro e em repelir qualquer tentativa de golpe”.
Questionado sobre a liberdade que o humorista tem ou não tem hoje no Brasil, Gregório Duvivier lembra que “o humor vive de correr riscos e a empurrar os limites”. Ao Ensaio Geral, o ator afirma que como humoristas, “não dá para a gente se sentir amedrontado, pensar duas vezes antes de falar”.
“O pior inimigo do humor é a censura prévia. A gente sofreu muito no Brasil, a censura institucional, mas também muita censura interna e prévia. Isso acabou sendo muito ruim para a gente”, diz Duvivier sobre os últimos anos.
De acordo com as suas palavras “uma das funções do humor, é testar os limites, e não aceitar as restrições antes delas acontecerem”. “O humorista não pode pedir permissão, pode até pedir desculpas, mas não pode pedir permissão” alerta Duvivier.