Os alunos das escolas do Alentejo estão a usar mantas, casacos com gorro, cachecóis e luvas para suportar o frio nas aulas, que tem sido agravado pela necessidade de arejar salas devido à pandemia da Covid-19.
O que "deveria ser insólito" é "comum" na "degradada" Escola Secundária de Serpa, no distrito de Beja, que tem 44 anos e precisa de obras de requalificação, conta à agência Lusa Francisco Oliveira, diretor do Agrupamento de Escolas n.º 2 de Serpa, do qual faz parte o estabelecimento de ensino.
Segundo o diretor, a escola tem "vários problemas", como infiltrações, que fazem com que "chova dentro das salas", falta de isolamento térmico e "uma rede elétrica antiga e que não comporta a climatização", impedindo que muitas salas tenham ar condicionado.
Por isso, lamentou, no inverno, o frio é "difícil de suportar" na maior parte das salas de aula da escola, especialmente nas que "não têm ar condicionado".
Naquelas salas, contou, é "muito comum" os alunos usarem vários apetrechos para tentarem combater o frio e se aquecerem, como casacos quentes com gorro, cachecóis, luvas, vários pares de meias nos pés e mantas e cobertores sobre os ombros e as pernas.
A situação, "já complicada em circunstâncias normais", "agravou-se" este inverno com as normas da Direção-Geral da Saúde (DGS) devido à pandemia de Covid-19 e que "obrigam ao arejar salas", através da abertura de portas e janelas, disse.
"Agora, devido ao frio intenso, fecham-se as portas e quase todas as janelas das salas, mas, nos intervalos, abrem-se de novo para permitir o arejamento e, assim, qualquer aquecimento conseguido durante a aula vai portas e janelas fora e volta-se à temperatura ambiente", contou.
Já a estratégia dos professores "é andarem também bem agasalhados e de um lado para o outro nas salas", contou Francisco Oliveira.
"Todos, alunos e professores, sofrem bastante, mas os alunos sofrem mais, porque têm de estar sentados", frisou, referindo que só as obras de requalificação poderão resolver este e outros problemas da escola.
Vítor Brasão, professor na Escola Secundária de Serpa, publicou, na terça-feira, na sua página na rede social Facebook, uma fotografia que tirou a uma aluna do 10.º sentada numa sala da escola com casaco, gorro na cabeça, máscara e embrulhada numa manta.
"A intenção da fotografia é voltar a alertar as entidades competentes para a necessidade de combater a degradação da escola", onde a maior parte das salas não tem sistema de aquecimento, explicou hoje à Lusa Vítor Brasão.
Tal como a aluna da fotografia, que não é identificada e autorizou o professor a fotografá-la, "há muitos alunos" da Secundária de Serpa que, para combater o frio nas salas, "usam casacos com gorro, cachecóis, luvas e mantas para se aquecerem e, no final das aulas, deixam os apetrechos na escola para usarem no dia seguinte", disse.
O frio afeta também professores, que "tentam circular nas salas e há alguns que nos intervalos das aulas vão ao carro e ligam a ‘chauffage' para aquecerem as mãos", contou.
Segundo o professor, a pandemia de covid-19 "veio agravar um pouco um problema que a escola já tinha", mas "o objetivo da fotografia não é centralizar a atenção na pandemia".
"É alertar para a necessidade das obras na escola, que nunca mais arrancam, e alunos, professores e funcionários andam sistematicamente a sofrer e sem condições para o ensino-aprendizagem", frisou.
A fotografia, que já tinha sido partilhada por mais de 2.600 pessoas até às 19h30 de hoje e "despertou o interesse de vários órgãos de comunicação social", além do objetivo inicial, "serviu para se perceber que há tantas outras escolas no país com vários problemas", como alunos a passar frio nas salas, disse Vítor Brasão.
Na Escola Secundária Manuel da Fonseca, em Santiago do Cacém, no distrito de Setúbal, há relatos de alunos que levam mantas "e alguns aconchegos" para se protegerem do frio, disse à Lusa Célia Lopes, presidente da Associação de Pais do Agrupamento de Escolas de Santiago do Cacém.
Esta situação, deve-se à "falta de eficácia" do aquecimento central da escola, agravada pelo arejamento das salas devido à Covid-19, explicou.
"Já no ano passado e nos anos anteriores, os alunos levavam mantas para a escola, o que é demasiado desconfortável. Este ano, esta situação agravou-se devido à covid-19, que obriga a ter portas e janelas abertas", lamentou.
A representante dos pais, que defende a adoção de outras medidas como "o arejamento das salas de aula nos intervalos", considera que estas "não são as melhores soluções" num ano atípico para a comunidade escolar.
Em declarações à Lusa, o presidente do Sindicato dos Professores da Zona Sul (SPZS), Manuel Nobre, disse que a situação de frio em várias escolas "acontece porque o Ministério da Educação não permitiu a redução do número de alunos por turma".
Por isso, "é natural que salas de aula com quase 30 alunos e pouca distância entre eles tenham de ter janelas e portas abertas para permitir o arejamento e uma melhor circulação de ar", disse.
"É um problema que o Ministério da Educação não quis reconhecer quando se propôs medidas concretas, como a redução do número de alunos por turma", frisou.
"Nada se fez e era expectável que acontecesse o que está a acontecer e que é uma situação preocupante e que prejudica o processo de ensino-aprendizagem, mas, por questões de saúde pública, naturalmente que os professores têm de ter portas e janelas abertas", rematou.