A revista norte-americana «Time» publicou no final de 2023 um artigo que sublinhava a grande particularidade do ano agora iniciado: 2024 não será “apenas um ano de eleições”, mas “um ano de eleição”. Em todo o mundo e em todos os continentes, pelo menos 64 países (um terço do globo) - em rigor 63 mais a União Europeia - irão a votos, para chefias de Estado, assembleias e parlamentos da mais diversa ordem e governos. O universo transnacional de votantes alcançará cerca de metade da população mundial, numa rara coincidência que poderá ser positiva, ou negativa. Decompondo por continentes, a África terá 18 atos eleitorais em outros tantos países, a Europa 17 eleições nacionais e mais uma – a do Parlamento Europeu, em junho – que mobiliza 27 países, a Ásia irá 16 vezes à urna, a América 6, o Médio Oriente (um subcontinente turbulento que merece um olhar à parte) 3 e a Oceânia outras 3.
Em Portugal, ao contrário do que aconteceu em 2019, as eleições legislativas antecederão (em março) as europeias, não podendo estas, portanto, servir de 1.ª volta oficiosa daquelas. Não é ainda previsível quando haverá novo governo, porque o processo da sua composição poderá arrastar-se durante dias, semanas ou meses (à espanhola, ou à belga!). Mais ruidosas no espaço mediático do que o sempre pouco participado escrutínio para o Parlamento Europeu, as legislativas nacionais não serão, porém, mais importantes do que as Europeias, porque a margem de ação de São Bento estará sempre macro condicionada pelos ventos de Estrasburgo e de Bruxelas. Com toda a probabilidade, o novo Parlamento Europeu surgirá mais fragmentado, com bancadas e vozes mais soberanistas, nacionalistas e/ou populistas, e menos consensos moderados. Daqui dependerá um eventual 2.º mandato de Ursula von der Leyen e o tipo de políticas internas e externas que a UE irá traçar para o (seu) futuro.
Um dos países mais populosos do mundo - a Índia - terá eleições parlamentares na primavera. Um dos menos populosos - Tuvalu - fará o mesmo no final do ano. Os 1,4 biliões de habitantes da primeira têm mais peso do que os 10 mil habitantes do pequeno arquipélago do Pacífico? Sem dúvida. No calendário eleitoral, haverá jornadas absolutamente decisivas. Na Europa, tanto Vladimir Putin como Volodomyr Zelensky vão a votos. Na Rússia, a mais que certa reeleição do novo Czar será, ainda assim, um teste indicativo do apoio popular dos seus concidadãos à chacina que prossegue na Ucrânia; nesta, as presidenciais onde Zelensky busca a reeleição poderão ter um calendário reacondicionado, num país destruído e sob lei marcial. No Médio Oriente, haverá eleições no Irão, na Síria e na Jordânia – mas nem a teocracia, nem a autocracia, nem a monarquia respetivas deverão mudar muito. As presidenciais de Taiwan serão daqui a escassos dias, e o seu resultado não deixará de influir no olhar cobiçoso de Pequim sobre a ilha. A meio mundo de distância, no velho mundo europeu, destacam-se as eleições presidenciais na Lituânia ou as parlamentares na Bielorrússia, e acima de todas as legislativas britânicas, que poderão levar o Labour de volta a Downing Street, depois de 14 anos de predomínio Tory. “Last but never least”, o globo inteiro sustém a respiração para o que a revista «Economist» já titulou como “o maior perigo para o mundo”, a saber, o regresso de Donald Trump à Casa Branca.
Muita coisa está, portanto, em jogo - pelo voto, pelo velho voto, o mais digno instituto das digníssimas democracias e a única putativa “arma” para expressão de dissenso nas ditaduras e iliberalismos que (ainda) o permitem. No mundo incerto do presente, o exercício da escolha assim expresso determinará o nosso futuro próximo.