Em entrevista à Renascença, José Luis Monteiro faz o seu balanço da Conferência das Partes (COP) do Clima, em Madrid. O ativista sublinha a falta de ambição dos líderes políticos e a falta de conexão entre as negociações e os anseios da sociedade civil e dos jovens
Que impressões retira desta COP ?
Julgo que esta é a COP em que há uma maior distância entre o que se passou cá dentro e o que se passa lá fora. Não falo apenas dos protestos dos jovens e da presença da sociedade civil na rua. Refiro-me também aos impactos do clima, que se passa numa série de países em desenvolvimento ou até em desenvolvidos. A Austrália tem estado a arder, não chove em Cabo Verde há três anos, tivemos dois ciclones de categoria três em Moçambique a meio do ano. Há uma certa dissonância entre o sentido de urgência lá fora e aquilo que se passa nas salas de negociação.
No entanto as manifestações foram muito ruidosas. Houve uma mobilização muito grande como em quase todas as COP. Politicamente talvez não fosse muito inteligente ignorar todas essas manifestações, mas a verdade é que chegando ás últimas horas estamos longe da esperada “ambição”
Ambição foi outra das palavras que apareceu muito durante esta COP. Mas veio só a palavra, não apareceu a ambição verdadeira. Julgo que haverá um preço político a pagar no futuro mais ou menos próximo. Infelizmente o preço politico vem mais tarde que o preço real que as populações mais desfavorecidas pagam neste momento.
A sociedade civil reforçou-se com a COP ?
Gostaria de pensar que sim. A sociedade civil mobilizou mais gente entre a população geral para estas questões. Quanto a sermos ouvidos por quem tem o poder na realidade continuamos na mesma.
E as divisões são as clássicas Norte-Sul ?
Em boa parte. O mecanismo de perdas e danos não avançou quase nada, apenas pequenos passinhos de bebé. É claramente uma questão Norte-Sul. O mercado de carbono será uma questão central mas fica à parte.
A União Europeia aparece com um Pacto Ecológico e tem programas de cooperação com países menos desenvolvidos. Como viu a União Europeia neste processo ?
Vejo a União Europeia a avançar, a ocupar um espaço que está em branco e que é o principal motor ocidental da transição que precisamos para a economia e para a sociedade.
Do ponto de vista da cooperação, todo o esforço que a UE já faz ainda pode ser aumentado ou é satisfatório ?
Pode fazer mais, pode dar o exemplo. Uma da questões tem a ver com a forma como são contabilizados os investimentos e os apoios para a transição nos países em desenvolvimento. Há grandes variações dentro da União Europeia com países muito à frente e outros que se vão deixando estar. No entanto, aquilo que a UE já está a fazer é um bocadinho uma luz de esperança no meio disto tudo.
O que faz a Oikos em concreto nesta área climática ?
Trabalhamos sempre junto das populações. Muito do nosso trabalho já tem muito a ver com segurança alimentar, geração de rendimento e melhoria das condições de vida. Isso é algo que é cada vez mais impactante no clima. Este ano, por exemplo, metade do nosso trabalho em Moçambique andou à volta da emergência com o ciclone Idai e Kenneth que nos obrigaram a parar projectos em curso para podermos socorrer as populações. Mas também na América Latina estamos a trabalhar em zonas onde há grande risco para as populações. Trabalhamos com as pessoas para que possam gerir melhor esse risco e a sofrer menos com as consequências das alterações climáticas.
No quadro lusófono, além de Portugal, temos um Brasil com uma situação muito particular, países a sofrer efeitos das alterações climáticas como Moçambique e Cabo Verde. Podia haver maior mobilização no espaço lusófono nesta matéria ?
Sim, claramente. O espaço lusófono podia também começar a apresentar-se também aqui como um bloco. Gostaria de ver um dia aqui algo como um pavilhão lusófono como vemos pavilhões francófonos. É óbvio que Portugal e o Brasil têm responsabilidades , ainda que diferentes, para mexer isto tudo. Mas seria muito mais interessante se nos pudéssemos juntar todos como lusófonos a falar uma só voz.