Demorou a encher, mas à hora da missa de encerramento da Festa das Famílias, o Parque Urbano da Flamenga, na Vialonga, estava à pinha. Em plena periferia de Lisboa, já depois da zona industrial juntaram-se dezenas de casais para ouvir a homília de D.Manuel Clemente centrada nas dificuldades da união familiar e o modo como as ultrapassar.
Perante os casais, que celebravam números redondos de matrimónio - 20, 30 e até 50 anos de casamento - o Cardeal Patriarca de Lisboa referiu que "é possível" viver em união e que não estava ali "a falar de coisas que não existem em lado nenhum, nem de utopias, mas de realidades."
Quem estava ali sentado em cada uma das cadeiras, "cada casal cristão é um sinal de que isto é possível, de que o projecto de dádiva de Deus é possível", resumiu D.Manuel, salientando que "cada um dos que prossegue assim é a afirmação de que isto é possível".
Sempre batendo na tecla da dificuldade de ser e permanecer como família, o Cardeal Patriarca sustentou que "com a liberdade de Jesus Cristo é possível". Sozinhos seria uma impossibilidade - "Só por nós não seria" - e sobretudo tendo em conta os tempos actuais.
Há muitos estímulos que nos auto-centram, avisa D. Manuel: "hoje em dia, até as circunstâncias atuais nos desencontram tanto, nos individualizam mais, nos fazem viver mais para nós próprios ou comprar tudo aquilo que a artificialidade internética nos permite".
Ora, "tudo isso nos pode desviar tanto do compromisso concreto de uma família cristã - pais, mães, filhos, avós - olhando uns pelos outros, vivendo unidos e ultrapassando todas as dificuldades e todos aqueles motivos de separação e discórdia", mas ali na Vialonga o sentido parece ser o contrário e "que bom é ver que isto acontece realmente", agradeceu aos casais o Cardeal Patriarca.
No fundo ali se celebrou a festa da união familiar. Das dificuldades por que cada uma passa também, claro, mesmo de famílias de que se separaram por qualquer razão. Ninguém fica excluído. "Seja em que circunstância seja, nós uns com os outros e uns para os outros"
A regra é: "aprender Deus em todas as conjugações sociais da nossa vida, desde a primeira, que é a família que nascemos e crescemos até esta família alargada de Deus". Essas, mas não só. D. Manuel Clemente inclui aqui "até aquelas famílias que, por acasos que ninguém julga e que só Deus sabe, às vezes se separaram, mas de que Deus não desiste nunca".
Numa missa campal debaixo de um sol inclemente na Vialonga, pontuada aqui e ali por uma ventania, D. Manuel Clemente interagiu com a plateia de casais e fiéis que se espalharam ao longo do extenso jardim da Quinta da Flamenga.
"Então o que é que nós temos que aprender neste mundo com as nossas relações mútuas, com o nosso interesse por cada um?". O Cardeal Patriarca de Lisboa questionou e deu a resposta: "O que é que nós aprendemos quando não desistimos uns dos outros? O que é que nós aprendemos? Aprendemos Deus". Deus, essa "união indestrutível", segundo D.Manuel.
"Portugal tem muita resiliência acumulada"
Antes da missa campal, D.Manuel Clemente assumiu que esta Festa das Famílias na Vialonga constitui mais uma etapa rumo à Jornada Mundial da Juventude (JMJ) de 2023, que irá decorrer em Lisboa.
Aliás, "tudo aquilo que acontecer em Lisboa e nas outras dioceses, a partir de agora tem esse horizonte da JMJ", resume o Cardeal Patriarca. Mesmo na Festa das Famílias foi visível "uma forte participação juvenil". Debaixo de uma torreira de sol, o evento foi uma espécie de aventura de Tintim, de todos e para todos, em que se viu desde bebés de colo a pessoas com mais de 80 anos.
Assim, "tudo quanto aconteça na Igreja em Portugal, de uma maneira ou outra, tem ligação com a JMJ", assume D.Manuel Clemente à Renascença, tendo em conta que esse "é um horizonte cada vez mais próximo, nada acontecerá que não tenha essa cor".
A mensagem para as famílias neste contexto económico e social difícil é "ir até ao fim". Isso é o quê? O Cardeal Patriarca despacha que é "prosseguir de maneira determinada", há "preocupação, mas a certeza que, em geral os cristãos e os outros membros da nossa sociedade são pessoas determinadas e treinadas por outras crises anteriores".
D.Manuel lembra a crise da bancarota de "há 12, 15 anos" e como se "proseguiu em frente". Mesmo agora vêm estes "problemas novos", a pandemia, a guerra, mas as famílias e a sociedade são "resilientes".
A verdade é que "não podemos desistir de ninguém" e sim "a Igreja tem um papel de estímulo", mas também de organização. O Cardeal Patriarca de Lisboa dá o exemplo da rede Cáritas, o Banco Alimentar, "todas essas frentes onde podemos como sociedade e como Estado - que é para isso que o temos, para servir o bem comum - resolver os problemas que surgem".
O calo dos portugueses em enfrentar crises económicas e sociais sucessivas é assim a chave. "Portugal tem muita resiliência acumulada e demonstrada e vai responder, certamente a esta crise", resume D.Manuel.