Donald Trump saiu da Casa Branca há mais de quatro meses. Mas é ele quem, de facto, manda no Partido Republicano.
O assalto ao Capitólio, edifício onde funciona o Congresso Federal dos EUA, chocou muitos americanos. E a insistência de Trump em que a eleição presidencial lhe tinha sido “roubada” tornou-se tão absurda que alguns republicanos importantes a recusaram publicamente. Será, então, que o Partido Republicano irá deixar de ser comandado por Trump?
Não, Trump influencia decisivamente as candidaturas republicanas, com vista às eleições intercalares de 2022. Nessa altura irão a votos a totalidade da Câmara dos Representantes e um terço do Senado. Se o Partido Republicano readquirir a maioria dos deputados em ambas as câmaras não só o Presidente Biden ficará muito limitado como Trump será certamente o candidato republicano à eleição presidencial de 2024. E ainda haverá centenas de eleições estaduais.
Vejamos alguns casos exemplares. O líder dos republicanos no Senado, Mitch McConnell, foi obediente a Trump durante todo o mandato do ex-presidente. Mas teve a coragem de pronunciar no Senado um duro discurso contra a fantasia da “eleição roubada”, sendo por isso insultado por Trump. Mas McConnell lidera a recusa dos republicanos no Senado de avançar com uma comissão independente para investigar o que levou à invasão do Capitólio em 6 de janeiro...
Por outro lado, McConnell não se opôs à substituição de Liz Cheney como terceira figura do Partido Republicano no Senado. Liz Cheney é uma conservadora, filha do ex-vice-presidente Dick Cheney, uma poderosa figura da direita radical (foi um dos defensores e organizadores da fatal invasão do Iraque pelos EUA em 2003, sob o falso pretexto de que Saddam Hussein possuía armas nucleares).
As convicções de direita pura e dura de Liz Cheney não a impediram de rejeitar a propaganda de Trump sobre o alegado roubo dos resultados eleitorais. Imediatamente Trump a vetou, obrigando à sua substituição. Nesse processo deu-se um incidente curioso e elucidativo. A certa altura, um outro senador republicano muito conservador, Chip Roy, esboçou avançar para o lugar de Liz Cheney, em vez da candidata abençoada por Trump, Elise Sefanik, menos conservadora do que L. Cheney, mas apoiante da mentira sobre a alegada fraude nas eleições. Logo veio uma declaração de Trump, que reiterou o seu apoio a E. Stefanik e cobriu de injúrias Chip Roy. Os senadores republicanos, com honrosas exceções, seguiram as ordens do ex-presidente.
Ou seja, o Partido Republicano deixou de ter princípios e ideologia, tirando porventura as inclinações instintivas de Trump – contra os imigrantes, a favor dos supremacistas brancos, a descrença nas alterações climáticas, a proximidade com Putin, etc. Nos EUA o que passou a contar para ser candidato republicano a qualquer cargo é ter o apoio de Trump.
É duvidoso que centenas de políticos republicanos acreditem nas falácias que Trump pôs a correr e que entusiasmam os apoiantes incondicionais do ex-presidente. São esses apoiantes que, a nível federal e estadual, fazem guerra aos republicanos que não adiram ao que Trump diz. O que leva muitos candidatos republicanos a meterem na gaveta posições tradicionais do seu partido, para subscreverem as loucas afirmações do ex-presidente – e ganharem eleições.
Decerto que este tipo de condicionamento político na Partido Republicano tinha começado antes de Trump – com o chamado “Tea party”, por exemplo. Mas a dimensão e a eficácia desse condicionamento atingem, agora, um grau preocupante.
É triste ver tantos políticos, alguns com qualidades, a venderem-se por um lugar político. O Partido Republicano tem uma longa tradição democrática – era o partido de Lincoln - tradição que assim é posta em causa. Trata-se de uma falta de decência política que mina a própria democracia americana.