A antiga procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, criticou esta quarta-feira a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção (ENCC) 2020-2024, considerando-a vaga e com omissões relevantes, associadas à pouca importância atribuída à cooperação judicial internacional.
Joana Marques Vidal, atualmente procuradora-geral adjunta colocada no Tribunal Constitucional, falava na conferência da Escola de Lisboa da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa sobre a "Transparência do Estado e Combate à Corrupção", na qual referiu que a Estratégia dá pouca importância à cooperação internacional e omite assuntos importantes como a contratação pública, o urbanismo, o planeamento do território e as incompatibilidades de titulares de cargos públicos e políticos.
Para a antiga PGR, a ENCC deveria ter uma diferente metodologia formal, dando como exemplo a ausência da definição de um prazo para as medidas serem implementadas, além de “nem estar prevista uma revisão e avaliação das próprias propostas do documento”.
“A estratégia fala das medidas e do que se quer alcançar com elas, mas é menos forte no capítulo sobre como se quer alcançar. Julgo ser necessário melhorar o documento de forma estrutural”, afirmou.
As averiguações preventivas penais foi outro dos assuntos abordado na conferência, tendo a procuradora-geral defendido a criação de “procedimentos claros”.
“Julgo ser necessário um estudo para a adoção de um quadro legal enquadrador para a definição de procedimentos claros para as averiguações preventivas. Deveria dar-se alguma formalidade às averiguações, como por exemplo regular a competência da PJ para instaurar essas ações preventivas”, afirmou a magistrada, admitindo que se trata de “um campo movediço que está sujeito a contestações em sede de julgamento”.
A omissão de determinados temas que considerou importantes para uma estratégia nacional foi outra das críticas apontadas, citando a ausência de capítulos dedicados à contratação pública e ao urbanismo ou o planeamento do território.
“Seria necessário referir a responsabilidade de cargos públicos e políticos, as autarquias locais, o financiamento partidários”, observou a magistrada, alertando para a ausência de uma definição dos pontos prioritários no combate à corrupção e para o facto de não estar estipulada uma avaliação da aplicação da legislação e a sua eficácia.
Outro dos pontos fracos da Estratégia apontados por Joana Marques Vidal foi o deficiente envolvimento de determinadas entidades como a Assembleia da República, nomeadamente nas funções das comissões, por exemplo da transparência.
No capítulo que apelidou de “perplexidades”, a magistrada alertou para o perigo de o mecanismo da prevenção se transformar “numa instituição burocrática de análise formal”, assunto que, em seu entender, está pouco esclarecido no documento aprovado pelo Conselho de Ministros, temendo que a ENCC se esgote em alterações legislativas.
Entre as sugestões apresentadas constam os instrumentos de acompanhamento e supervisão da contratação pública, lembrando a ex-PGR que “muitos magistrados deparam-se com a deteção tardia dos fenómenos corruptivos”, sugerindo a criação de um mecanismo que acompanhe os grandes negócios do Estado que fosse corrigindo as eventuais irregularidades.
A questão dos megaprocessos e da morosidade da justiça foram outros dos assuntos abordados.
“Os processos de grande dimensão vão continuar a repetir-se porque os crimes são também de grande dimensão e não há maneira de ultrapassar isto. Concordo que a conexão de processos pode ser melhorada na lei, mas há megaprocessos porque há megacrimes, altamente sofisticados, que envolvem diversas instituições e sistemas financeiros internacionais”, sustentou.
Segundo Joana Marques Vidal, "seria importante que a lei consagrasse a comunicação obrigatória ao MP pelas entidades que fazem a apreciação das declarações de rendimentos sempre que fosse detetado um desajustamento ou desfasamento de um enriquecimento não justificado”, à semelhança do que acontece para o branqueamento de capitais.
Para a magistrada do MP, seria ainda de valorar a possibilidade de haver tribunais especializados para a criminalidade económica-financeira.