Um ano e oito meses depois de ter assumido o cargo, Adalberto Campos Fernandes está no centro de um fogo cruzado. Tem em mãos ultimatos e ameaças de greves de enfermeiros, médicos e farmacêuticos hospitalares. Até agora conseguiu suspender os protestos com a promessa de algo.
É conhecido pela sua capacidade de trabalho, mas tudo isto quer dizer que este ano não vai mesmo conseguir descansar nas férias?
Não, não quer dizer isso. Aliás, a qualidade do trabalho depende muito de algumas pausas que são necessárias fazer e conto fazê-las naturalmente dentro de dias. Mas permita-me que faça um breve comentário à sua introdução. A conflitualidade social ou política ou laboral faz parte dos processos democráticos e de governação. É importante, no entanto, dizer que nestes quase dois anos de actividades governativa nós temos tido mesmo na saúde um clima de paz social, que é relevante. E temos tido ou temos sabido lidar com aquilo que é a divergência e a reivindicação num quadro de responsabilidade pública e de servir o interesse público.
Falou aí na sua introdução de dois casos, um dos quais motivou greves, que foram os técnicos de diagnóstico e terapêutica. Outro não chegou a motivar greve; teve apenas um anúncio, que foi dos farmacêuticos hospitalares.
Pois bem, são dois casos que estão encerrados. Após dezasseis meses de arrastamento e de indecisão, nós, naturalmente, resistindo à pressão de negociar com facilidade, discutindo e analisando com os representantes dos profissionais, fechámos um bom acordo com os farmacêuticos hospitalares e fechámos um bom acordo com os técnicos de diagnóstico e terapêutica.
E com os enfermeiros? Os enfermeiros suspenderam ontem a greve, os enfermeiros especialistas também. Como é que estão as negociações? Eles dão um prazo até ao final de Agosto.
O prazo é aquele que tiver que ser. E, naturalmente, que resultará do processo negocial e, mais uma vez - não me canso de repetir -, daquilo que for a obrigação do Governo de responder pelo interesse geral e pelo interesse público.
Mas é de saudar que houve segunda-feira uma reunião muito positiva que abriu uma agenda negocial com dois dos sindicatos que representam o sector, e em que este protesto, que era um protesto muito atípico, muito desconforme com as regras éticas e deontológicas - aliás, reconhecido recentemente pela própria Procuradoria-Geral da República -, que foi suspenso e que se entrou naquilo que eu considero que é o mais importante. É assumir as divergências à mesa de uma negociação, falando, dizendo o Governo até onde pode ir - naturalmente, o Governo não pode satisfazer o pleno das reivindicações dos grupos profissionais, mas pode, efectivamente, ceder em muitos pontos, como tem feito prova disso - e sentimos agora esse clima que com os enfermeiros há um ambiente de negociação responsável, saudável, que naturalmente terá pontos mais positivos ou menos positivos, que haverá alguma contestação no percurso. Mas é assim que se constrói a democracia. O Governo a negociar, dialogar, salvaguardar o interesse dos dez milhões de portugueses que serve. E a ser capaz de perceber que em grande parte das vezes são legítimas.
Mas vai ser possível pagar o trabalho diferenciado dos enfermeiros especialistas, chegar a esse acordo até ao final de Agosto?
É impossível responder-lhe porque o que está em cima da mesa é um conjunto enorme de processo de negociação. E naturalmente quando chegarmos ao final de Setembro nós teremos aspectos em que as propostas dos enfermeiros fizeram total vencimento, outras as do Governo fizeram total vencimento. Uma negociação é o resultado de um compromisso. O mais importante para sinalizar é que hoje há abertura dos profissionais, dos enfermeiros. Há abertura do Governo para, à volta da mesa, discutir tudo aquilo que há para discutir, e ver até onde cada uma das partes pode ir.
Ainda há uma ameaça de greve por parte dos médicos que também deram um prazo até ao final de Agosto, início de Setembro. Como é que está a negociação?
É preciso sinalizar e desdramatizar este aspecto. No dia em que os sindicatos deixarem de fazer ameaças de greve aos Governos perdem a sua utilidade e o seu sentido. Os sindicatos usam aquilo que é a persuasão pública, às vezes até num tom mais ameaçador, usam esse tipo de linguagem como um instrumento da sua pressão e da sua acção junto dos poderes públicos e dos poderes políticos para ganharem vantagem no processo negocial. Não há sobre isso nenhum drama. Nós iremos também com os médicos fazer o que temos feito com os outros grupos profissionais: negociar nos termos em que se cruzam bem o interesse público, o interesse dos dez milhões de portugueses com aquilo que é a expectativa e a vontade de um grupo tão importante como é o grupo profissional dos médicos.
Uma das queixas recentes prende-se com a falta de concursos para a colocação de médicos que acabaram a especialidade há pouco tempo. Passaram três meses, continua a haver falta de médicos, seja no interior nos centros de saúde ou em alguns hospitais - há pessoas que esperam meses por um exame - e no entanto ainda não há concurso aberto para a colocação destes especialistas. Quando é que esse concurso irá ser aberto?
Foi com este Governo que o ano passado os concursos que habitualmente se realizavam em Novembro e Dezembro passaram a ser realizado em Junho e Julho. Este ano, porque houve a necessidade de abrir um concurso prévio para mobilidade profissionais, o concurso de ingresso de médicos de família que estão no sistema e que terminaram a sua especialidade está um pouco atrasado, e contamos nos próximos dias poder lançá-lo.
Mas é preciso dizer que entre o dia de hoje e Novembro de 2015 o SNS tem mais 4.000 profissionais. E muitos desses são médicos. Portanto nós estamos a fazer o nosso trabalho. Contrataremos e recrutaremos todos os médicos que forem sendo formados. Infelizmente nalgumas especialidades - não em muitas - nós temos carências que estão bem identificadas. Mas os portugueses sabem bem que hoje há mais cobertura por médico de família, centenas de milhares de cidadãos passaram a ter médico de família. Temos mais médicos, mesmo nos hospitais do interior, e naqueles que habitualmente são mais carenciados. Aprovámos um regime e sentimos que está a resultar. Reentraram no sistema cerca de 150 médicos que estavam fora do SNS. Temos cerca de 300 aposentados que reentraram no sistema e que estão a trabalhar. Estamos a meio de um caminho. Não estamos satisfeitos. Estamos empenhados em fazer o nosso trabalho, mas comparar o dia de hoje com dois ou três anos atrás não deixa dúvida nenhuma de que o esforço está a ser prosseguido e que a nossa estratégia de recrutar e de fazer ter no sistema nacional de saúde e no SNS o maior número de médicos possível está a ser aplicado.
Apesar disso tudo ainda há cerca de 800 mil portugueses sem médico de família, não é?
Repare, há três anos havia 1,5 milhões de portugueses sem médico de família. O objectivo é chegar ao final da legislatura conjugando aquilo que é a capacidade de o sistema formar por ano cerca de 350/400 jovens médicos especialistas. E felizmente as aposentações serem inferiores a 200. Que esse saldo positivo permita que no final da legislatura nós estejamos dentro de uma cobertura plena.
Mas como é que isto se justifica? Há tantos médicos a entrar, continuam a faltar médicos de família, há muita gente ainda a emigrar, a ir para o privado.
Bem, a emigração diminuiu nos últimos dois anos. E a ida para o sector privado também estabilizou. É preciso ver que houve um efeito, que ainda está a ser sentido, que foi o efeito do final da década de 80, princípio de 90 ter sido implementado um numerus clausus muito restrito. E na faixa etária dos 55 anos há uma falta de médicos que resulta da restrição muito forte que foi feita em numerus clausus nesse período. Nós contamos, pelas projecções que temos, que a partir de 2020, 2021, essa situação estará totalmente resolvida, porque esse efeito demográfico estará também ultrapassado. E é preciso dizer que nós temos naquilo que é o quadro da mobilidade dos profissionais, vivemos num espaço europeu, num espaço aberto, e que a vontade individual de um médico ir trabalhar para o Reino Unido ou para a Espanha ou para a Alemanha é uma vontade que não pode ser, nem deve ser cortada pelos governos.
O que é preciso é garantir que Portugal no SNS tem as dotações necessárias de médicos. A partir daí são opções individuais de cada um.
Mas neste momento ainda não tem, não é?
Mas estamos muito melhor do que estávamos há dois anos e eu espero que quando o SNS, em 2019, fizer 40 anos possamos estar aqui a conversar novamente e a ver que em 2019 estaremos ainda melhor do que em 2017, como em 2017 estamos melhor do que em 2015.
Falou que agora ainda no mês de Julho vai abrir o concurso para a colocação de médicos de famílias. E as restantes especialidades também vão ter um concurso?
Os concursos normalmente são sequenciais. Neste momento, vai depender um pouco do período de férias, mas a ACSS está a preparar o lançamento desses concursos. Nós contamos que até ao início de Outubro todos esses processos estejam resolvidos. E portanto descontando este período - que é um período difícil de férias, em Agosto, com muitas ausências - não prejudicar também os candidatos, mas que nós possamos ter de facto no início de Outubro todos os médicos colocados.
E continuam a faltar médicos no interior e nas zonas carenciadas. Continua a não haver forma de atrair médicos para essas zonas?
Nós temos hoje mais médicos no interior e nas zonas carenciadas. Não são o número que gostaríamos, mas temos mais. Em todos os hospitais há mais médicos. Isso é comprovável. Naturalmente que o problema português não é exclusivamente um problema nacional, é um problema que se repete noutros países. A dificuldade de fazer deslocar dos meios mais centrais onde se centralizam os hospitais com maior complexidade e maior dimensão é um problema europeu. Nós estamos a procurar introduzir medidas como foi o despacho dos incentivos com mais 40% de remuneração, com mais férias, que está a ter algum sucesso. Nós neste momento temos quase 100 médicos colocados ao abrigo desse despacho de incentivos. E estamos abertos a aprofundar e aprimorar esse despacho ou essa legislação para introduzir ainda mecanismos adicionais e mais mobilizadores.
E o que é que poderiam ser esses mecanismos?
No interior, os hospitais precisam de ter projectos mobilizadores para atrair esses jovens: projectos de carreira, internatos, tecnologia mais diferenciada. Mas a competição entre um hospital de uma cidade do interior e Lisboa e Porto será sempre uma competição desfavorável ao interior. Portanto, projectos profissionais que tornem mais atractivos - num país que apesar de tudo é um país relativamente pequeno, onde a deslocação entre Lisboa e Évora se faz com grande facilidade ou até com o Algarve. Nós temos que criar condições de atractibilidade que, por exemplo, o novo hospital central de Évora vai ajudar a fazer, que naturalmente o equipamento e o reinvestimento tecnológico desses hospitais também vai permitir.
Faço notar que também está a ser preparado - e há muitos anos que tal não acontecia - a abertura de concurso para assistentes graduados sénior e para consultores. Isto é importante porquê? Porque permite ter mais formadores, mais médicos qualificados reconhecidamente qualificados para enquadrar a formação médica de jovens internos e também fazê-lo no hospitais do interior.
E portanto poderá haver mais hospitais com idoneidade para receberem internos para serem formados?
A batalha é recuperar algumas idoneidades que estão comprometidas ou que estão parciais. Isso significa - é um dos pontos que está acordado com os sindicatos que até Setembro lançaremos um concurso para cerca de 200 assistentes graduados senior e também consultores - e isto é também um sinal de aposta na valorização do capital humano , não apenas da quantidade, mas da qualidade do capital humano que temos no SNS.
E admite mais incentivos para levar mais médicos para o interior?
Admitimos. Não temos uma ideia nem arrogante nem autocrática de que as soluções que definimos a cada momento são definitivamente as melhores. Em matéria de fixação de médicos no interior e de incentivos avançámos, progredimos, mas estamos abertos a encontrar mecanismos de natureza legal que possam significar uma capacidade de atrair mais médicos para o interior e, obviamente, que o faremos ouvindo a ordem dos médicos, os sindicatos ...
Ainda não está definida ...
Não. Existe neste momento um enquadramento legal, é este que temos e está a funcionar. Já temos cerca de 100 médicos colocados ao abrigo destes incentivos, mas admitimos que para 2018 ainda tenhamos de fazer mais alguma coisa para que essa mobilidade de médicos seja mais efectiva.
O facto de os hospitais públicos não poderem abrir vagas no quadro também está a fazer com que as urgências estejam cada vez mais diminuídas porque os médicos estão bastante envelhecidos, com mais de 50 anos não são obrigados a fazer urgência à noite , mais de 55 não são obrigados de todo. Não seria importante abrir essas vagas?
Os hospitais não estão inibidos de fazer nenhum contrato, todas as propostas de contratação de médicos que, ao longo deste primeiro semestre foram feitas, tenho conhecimento que foram despachadas favoravelmente tanto pela ACSS como pela secretaria de Estado. Estamos a falar de centenas de médicos que foram contratados durante o primeiro semestre deste ano. Não há nenhuma limitação. Outra cosia é aquilo que disse sobre o envelhecimento. Fruto do numerus clausus excessivos temos um problema de falta de recursos entre os 55 e os 65, sobretudo de falta de recursos disponíveis para fazer serviço de urgência. Esta situação resolve-se com o rejuvenescimento , com a entrada dos médicos mais jovens, o que está a acontecer agora. por 2020-2021 essa substituição geracional estará assegurada e, portanto, teremos condições para que as equipas de urgências estejam asseguradas com número e qualidade de médicos suficientes. Neste momento, temos um período de transição que temos de gerir e temos de rapidamente fazer ultrapassar esta dificuldade de geração.
Tanto o descongelamento de carreiras como os aumentos salariais dependem obviamente de mais dinheiro. Está a pensar negociar um reforço no orçamento da saúde no orçamento do Estado do próximo ano?
As carreiras não são responsabilidade exclusiva de nenhum ministério, é uma matéria do Governo que está centralizada no Ministério das Finanças e , portanto, será tomada a partir de setembro/outubro no contexto das iniciativas do Governo, naturalmente sob a liderança do Ministério das Finanças e das suas secretarias de Estado.
Quanto ao reforço orçamental, tivemos em 2016 mais orçamento do que tinha havido em 2015, tivemos em 2017 mais orçamento do que tínhamos tido em 2016 e vamos ter mais orçamento em 2018 que em 2017.
Desde janeiro que os hospitais estão impedidos de passar cheques-cirurgia para o sector convencionado a menos que não haja mesmo vaga no sector público. De que forma é que isto se reflectiu ao nível das listas de espera para cirurgia?
Os hospitais estão a cumprir aquilo que é o regulamento do Sigic e, naturalmente, que passado o tempo de resposta necessário para que o doente seja operado o vale tem de sair.
E continua a sair ou tem havido essa capacidade de o sector público absorver esses doentes?
Temos muito mais doentes operados do que tivemos no ano anterior. Mas não podemos ter um discurso ambíguo sobre esta matéria: queremos fazer todos um esforço para que o SNS seja mais eficiente, responda mais pelas suas obrigações perante os cidadãos e aquilo que os hospitais têm de fazer é verificar se podem ou não responder à sua própria procura cirúrgica. Não sendo possível, o doente tem direito a ser operado no sector convencionado de acordo com as regras do Sigic. Os resultados mostram um crescimento importante da actividade cirúrgica, nomeadamente da cirurgia de ambulatório, o relatório do acesso irá ser entregue na Assembleia da República até ao fim deste mês e comprova que 2016 foi um bom ano, um ano em que houve mais actividade, melhor desempenho do SNS e 2017 está a ser melhor que 2016.
Vinte mil doentes até ao ano passado eram habitualmente operados no sector convencionado. Este ano esse número baixou?
Não tenho informação exacta porque estamos a meio do ano, mas admito que não tenha baixado. Estamos a operar mais doentes, admito que essa actividade cirúrgica seja maior dentro do SNS e também seja maior dentro do sector convencionado.
Continuamos a gastar dinheiro a mandar doentes ao estrangeiro quando, pelo menos nalgumas áreas há conhecimento e material para podermos fazer em Portugal. Estou a lembrar-me , por exemplo, da cirurgia fetal ... há um aparelho de laser no hospital da força aérea que não é utilizado, foi usado apenas em duas cirurgias. Se houvesse uma colaboração com o ministério da saúde poderíamos evitar que 25 a 30 grávidas fossem todos os anos ao estrangeiro para fazer uma cirurgia que poderia ser feita em Portugal ...
Temos uma excelente colaboração na área da saúde com o ministério da defesa. quando sair daqui vou já telefonar ao meu colega da defesa para tentar perceber o contexto que me descreve. Havendo recursos técnicos e recurso humanos, com certeza que não enjeitaremos a possibilidade de um acordo imediato para que essa situação que refere possa ser solucionada.