Marcelo Rebelo de Sousa desdobrou-se em contactos e declarações numa derradeira tentativa de garantir a aprovação do Orçamento do Estado para 2022. No entanto, quando fazia essas diligências, já tinha marcado uma reunião do Conselho de Estado para quarta-feira, dia 3 de novembro.
O Conselho de Estado é um órgão de aconselhamento do Presidente da República que tem de ser ouvido antes da dissolução da Assembleia da República. Marcelo Rebelo de Sousa já decidiu e anunciou várias vezes que, em caso de reprovação do OE, avança para a convocação de eleições e iniciará “logo, logo” os procedimentos para a dissolução do Parlamento. Mas, apesar de ter a decisão tomada, tem de ouvir o Conselho de Estado e, antes ainda, todos os partidos com assento parlamentar.
A Renascença sabe que os conselheiros já estão avisados que haverá reunião no dia 3 de novembro. A convocatória oficial ainda não foi divulgada, porque terá de colocar na agenda a dissolução e isso só deverá ser feito depois da votação do Orçamento, marcada para esta quarta-feira.
Marcelo Rebelo de Sousa tem ouvido o Conselho de Estado com alguma regularidade para debater temas de atualidade, convidando até personalidades nacionais e internacionais para serem ouvidos. A última reunião decorreu em setembro, foi dedicada ao tema das migrações e teve a participação de António Vitorino, presidente da Organização Mundial para as Migrações.
Partidos contra eleições
No que diz respeito à posição dos partidos sobre convocação de eleições, o presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, há os ouviu ao longo da tarde de terça-feira, a seguir ao discurso do primeiro-ministro na abertura do debate orçamental. Ferro tem um encontro marcado com o Presidente da República esta quarta-feira, ao fim do dia, para dar conta a Marcelo da votação e das posições dos partidos.
A maioria dos partidos, contudo, diz que não quer eleições. É o que o PS tem dito, o PAN disse-o à saída da reunião com Ferro e até admitiu votar a favor do OE (o que não seria suficiente para a aprovação), o Bloco e o PCP têm dito insistentemente que a solução não passa por eleições, mas por o Governo fazer uma proposta de Orçamento que vá ao encontro das suas exigências. PSD e CDS dizem-se dispostos a eleições, apesar de estarem em processos de eleição interna.
Por lei, a reprovação do Orçamento não implica, necessariamente a dissolução do Parlamento, nem a demissão do Governo. António Costa garantiu, na terça-feira, que não se demite e está disposto a governar por duodécimos (quando não há OE aprovado, o Governo pode gastar por mês 1/12 do OE do ano anterior). Em caso de chumbo do OE, o Governo tem 90 dias para apresentar nova proposta.
Marcelo, contudo, já tomou e anunciou a decisão política de convocar eleições, sem dar essa segunda oportunidade. E, em Belém, até já se apontam datas para o ato eleitoral, tendo como hipóteses os domingos de janeiro: 16, 23 ou 30. A convocação das eleições tem de ser feita com um mínimo de 55 dias de antecedência.
Nem Madeira, nem requerimento
Na tarde de terça-feira, recolocou-se uma hipótese quase clássica dos debates orçamentais: a possibilidade de os deputados eleitos pelo PSD na Madeira votarem de forma diferente da indicação da direção do partido.
O presidente do Governo Regional abriu essa porta, apesar de ainda há cinco dias ter dito que a melhor coisa que podia acontecer era o Governo cair. Mas, ao fim do dia, o presidente do PSD, Rui Rio, disse ter garantias de que tal não irá acontecer.
Outra hipótese de o OE para 2022 ainda sobreviver à votação marcada para esta quarta-feira seria não haver votação da proposta. É uma possibilidade muitas vezes usada nos trabalhos parlamentares, sobretudo quando vários partidos têm propostas sobre um mesmo assunto e aceitam que os projetos baixem à especialidade sem votação para serem consensualizadas. Depois do trabalho em comissão, a versão final sobe ao plenário e é votada, consecutivamente, na generalidade, na especialidade e em votação final global.
Isso implica, contudo, que um dos partidos apresente um requerimento para a descida à comissão e esse requerimento tem de ser aprovado. A Renascença questionou o Governo sobre essa hipótese e a resposta é que não estava a ser considerada. E, terça-feira à noite, no programa “É ou não é?”, da RTP, os partidos da esquerda também a descartaram.
O socialista João Paulo Correia disse que a lei de enquadramento orçamental não afasta essa possibilidade, ainda que o Regimento da Assembleia da República (AR) possa colocar algumas dúvidas. Mas “é um tema que não foi discutido” pela bancada do PS.
“Estou muito seguro de que isso não é possível”, disse, por seu lado, o comunista João Oliveira, argumentando que o regimento da AR não o permite. “O pior sinal que pode haver é a Assembleia da República enredar-se numa discussão desse tipo”, disse o líder da bancada do PCP.
“Achava um péssimo sinal que o Parlamento se perdesse em truques de secretaria em vez de discutir política”, rematou a deputada bloquista Mariana Mortágua.