No início da pandemia, em 2020, aumentaram os doentes que chegavam ao hospital com sintomas de AVC muito graves fora dos tempos recomendados para tratamento.
À Renascença, a neurologista Liliana Pereira diz que a situação acabou por ser compensada depois do confinamento e o número de doentes atendidos até cresceu, não porque tenham aumentado os acidentes vasculares cerebrais, mas porque são considerados mais doentes para tratamento.
“Efetivamente, a partir de março de 2020, quando foi decretado o Estado de Emergência e entramos todos em confinamento, verificámos uma redução muito dramática no número de pessoas que recorreram ao hospital com sintomas de AVC e as que o faziam ou tinham sintomas muito graves, que não conseguiam mesmo esperar em casa ou, se ainda tivessem sintomas mais ligeiros, estavam a chegar fora dos tempos recomendados para fazer os tratamentos de fase aguda”, descreve.
A neurologista assinala que se tratou de uma fase relativamente curta.
“Foram três, quatro meses assim e depois verificámos que, à medida que também chegou o verão, as medidas, na altura, foram sendo um bocadinho aliviadas e começamos a ter os números semelhantes aos números que tínhamos antes da pandemia. E desde então esses números até têm vindo a aumentar.”
De acordo com Liliana Pereira, o aumento registado “não será porque estão a acontecer mais AVC's, mas porque estamos a considerar para tratamento pessoas para além das 4h30, para trombose, e das 6h00, para a trombectomia, que são os dois tratamentos de fase aguda possíveis de fazer ao AVC isquémico”.
“Estamos a ver um aumento progressivo do número de pessoas que chegam ao hospital com sintomas de AVC e a quem podemos oferecer tratamento”, acrescenta.
Atenção aos fatores de risco
De acordo com os dados hospitalares nacionais, divulgados pela Direção-Geral da saúde, em 2020 o número de internados em Unidades de AVC foi idêntico ao de 2019, perto de 12.900, a esmagadora maioria dos quais por AVC isquémico.
É um tipo de AVC que pode ser evitado em 90% dos casos, desde que sejam controlados dez fatores de risco, entre os quais o excesso de peso, o colesterol, a hipertensão, a diabetes, o tabaco e o sedentarismo.
O problema, diz Liliana Pereira da Sociedade Portuguesa do Acidente Vascular Cerebral, é que são fatores que obrigam a mudanças do estilo de vida e as pessoas nem sempre estão disponíveis para mudar. “Sabemos que 90% dos AVC’s isquémicos podiam ser evitados, se tivéssemos em conta e conseguíssemos prevenir um conjunto de dez fatores de risco que contribuem para os 90% de AVC’s que são preveníeis”, observa.
A questão, no entender da especialista, é que, mesmo conhecendo os fatores, às vezes não atuamos sobre eles.
“A pessoa pode conhecer que tem o colesterol alto, mas não tomar as medidas em relação a adaptar a dieta ou, quando é necessário, a fazer medicação. E mesmo com esses fatores, nem todas as pessoas conseguem baixar os níveis de colesterol. Mas, conhecendo os dez fatores de risco, que além do colesterol, incluem a hipertensão, a falta de exercício físico, a constituição da dieta no geral e o peso da pessoa que acabam por andar um bocadinho relacionados, a arritmia, que é a fibrilação auricular, o tabagismo, o consumo excessivo de álcool, a diabetes e também fatores mentais como a depressão e o stress”, enumera.
A lista integra vários fatores que são difíceis de controlar, sublinha a neurologista, destacando que “nem todas as pessoas hipertensas estão diagnosticadas. Depois, das que estão diagnosticadas nem todas estão medicadas ou cumprem a medicação de forma a atingir os valores de pressão que seriam normais”.
Tendo em conta que é um conjunto de fatores, e não um fator apenas, e que obriga a mudanças de estilo de vida, a especialista sinaliza que “há sempre uma certa resistência à mudança e, mesmo que a pessoa queira perder peso e fazer mais exercício físico, muitas vezes os tais fatores psicológicos, como a depressão e o stress interferem e impedem que se façam estas mudanças progressivas”.
“Conhecemos os fatores, tentamos todos intervir sobre eles e é muito importante que se conheça, mas, no conjunto é difícil atuar sobre todos ao mesmo tempo e vamos continuar a ter AVC's”, realça.
A neurologista da Sociedade Portuguesa de AVC defende, por isso, que se deveria apostar em campanhas nas escolas para que os bons hábitos sejam adotados logo desde cedo.
“A minha proposta é que se começasse a dar ênfase nas escolas logo desde pequeninos e chamar a atenção para estes fatores de risco, porque, se a pessoa ao longo da sua vida e logo desde a infância e adolescência conseguisse ter um estilo de vida saudável, ia beneficiar toda a saúde e não só prevenir o AVC”, conclui.
Esta quinta-feira, assinala-se o Dia Nacional do AVC. Uma doença que continua a ser a principal causa de morte e de incapacidade permanente em Portugal. Um em cada quatro adultos acima dos 25 anos vai sofrer um acidente vascular cerebral ao longo da sua vida.