A retirada dos militares americanos do Afeganistão, anunciada há três meses pelo Presidente Biden, está praticamente concluída. Formalmente, a retirada termina a 11 de setembro próximo, quando se completam vinte anos sobre os terríveis atentados terroristas nos EUA. Ficará no Afeganistão uma presença militar americana meramente simbólica. Assim termina, para os EUA, mais uma guerra que não venceram, depois do Vietname e do Iraque; e esta foi a mais longa de sempre. Pior: os fanáticos talibãs estão a regressar em força ao terreno.
Nada disto é inesperado, embora surpreenda a rapidez como que os talibãs estão a ocupar posições. Durante vinte anos os americanos e os seus aliados da NATO gastaram milhões tentando preparar as forças policiais e militares afegãs para serem capazes de defenderem a população dos extremistas. Os EUA chegaram a ter perto de cem mil militares no Afeganistão.
Falhanço completo, muito por culpa dos governantes afegãos. A corrupção e a incompetência desses governantes ficaram à vista de todos; e até há quem no Afeganistão esteja tão farto de tais governantes que considere um mal menor uma nova teocracia talibã.
Nas últimas semanas o avanço dos talibãs no território afegão foi facilitado pelo recolhimento das populações em casa. O comércio fechou as portas. Muitos militares afegãos não enfrentaram os talibãs, rendendo-se e deixando no terreno o material militar que possuíam; os soldados queixaram-se de não ser pagos, de não receberem abastecimento alimentar e de serem abandonados pelos oficiais. Compreende-se que não se disponham a arriscar a vida lutando contra as milícias talibãs.
Milhares de soldados e de civis fugiram para o estrangeiro – Paquistão, Turquia, Irão e outros destinos. Sem derrame de sangue, os talibãs já controlam perto de metade das regiões do Afeganistão.
Em Cabul, o governo afegão proclama que resistirá à ofensiva dos talibãs. Poucos acreditam em tal promessa, pois a ausência de cobertura militar americana, nomeadamente aérea, desmoraliza qualquer tentativa de resistência.
Um porta-voz dos talibãs disse à BBC que estes não pretendem atacar militarmente Cabul e outras cidades. Vão esperar que o Estado e as forças armadas que restam ao governo afegão também se entreguem. Podem surgir milícias anti-talibãs, comandadas por senhores da guerra. Uma guerra civil também é possível. Mas daí poderão vir mais sofrimentos para as populações atingidas, sem com isso lograrem qualquer derrota clara das forças talibãs.
É deprimente a perspectiva de a desgraçada população afegã ir ser, de novo, submetida aos fanáticos talibãs. Às mulheres, sobretudo, espera-as um futuro negro sob o fundamentalismo islâmico. Mas, após duas décadas de envolvimento de tropas ocidentais, sem quaisquer resultados sólidos, não se vislumbrava alternativa.
O Presidente Biden lembrou, há três dias, que em 2011 houve um acordo para os americanos retirarem em 2014 – “ficámos além dessa data e muitos soldados americanos foram mortos”, disse Biden. Sublinhou o Presidente que se, agora, depois do acordo assinado entre a Administração Trump e os talibãs em 2020 (acordo não cumprido pelos talibãs), mantivesse as tropas dos EUA naquele país, mais militares americanos morreriam, sem qualquer ganho para a paz.
Mais uma vez, verifica-se que quem se envolve em conflitos no Afeganistão não consegue vencer. Aconteceu com a Grã-Bretanha no século XIX, mais precisamente entre1839 e 1842. Mais perto de nós, a União Soviética tentou apoiar um político afegão simpatizante do comunismo em 1979, mas teve de sair do Afeganistão em 1989 – uma derrota militar que apressou o colapso do comunismo soviético; e os EUA, com os seus aliados da NATO, abandonam agora o Afeganistão sem terem anulado os talibãs.