Morreu o artista plástico Júlio Pomar
22-05-2018 - 18:27

Tinha 92 anos e estava internado no Hospital da Luz, em Lisboa.

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O artista plástico Júlio Pomar morreu esta terça-feira no Hospital da Luz, em Lisboa, revelou fonte da família. Tinha 92 anos.

Segundo a mesma fonte, o pintor morreu na sequência de problemas de saúde relacionados com a idade e com um internamento prolongado. Não há ainda informações sobre cerimónias fúnebres.

Pintor e escultor, nascido em Lisboa em 1926, Júlio Pomar é considerado um dos criadores de referência da arte moderna e contemporânea portuguesa.

O artista deixa uma obra multifacetada que percorre mais de sete décadas, influenciada pela literatura, a resistência política, o erotismo e algumas viagens, como aquela que fez à Amazónia, no Brasil.

Júlio Pomar estudou na escola de artes decorativas António Arroio, onde foi colega de artistas e escritores como Marcelino Vespeira, Mário Cesariny de Vasconcelos, Fernando de Azevedo, Pedro Oom, José Gomes Pereira e Artur Cruzeiro Seixas.

Também passou pelas escolas de Belas Artes de Lisboa e Porto, mudando-se para Paris em 1963. Vinte anos depois regressaria a Lisboa, e passou a dividir a vida e o trabalho artístico entre as duas cidades.

Tornou-se um dos artistas mais conceituados do século XX português, com uma obra marcada por várias estéticas, do neorrealismo ao expressionismo e abstracionismo, e uma profusão de temáticas abordadas e de suportes artísticos experimentados.

A obra foi dedicada sobretudo à pintura e ao desenho, mas realizou igualmente trabalhos de gravura, escultura e ´assemblage´, ilustração, cerâmica e vidro, tapeçaria, cenografia para teatro e decoração mural em azulejo.

Em 2004, foi condecorado pelo então Presidente da República Jorge Sampaio com a Ordem da Liberdade.

Em 2013, abriu o Atelier-Museu Júlio Pomar, instalado num edifício em Lisboa, perto da residência do artista, com um acervo de cerca de 400 obras.

As obras, doadas pelo artista à Fundação Júlio Pomar, incluem pintura, escultura, desenho, gravura, cerâmica, colagens e 'assemblage'.

O corpo do artista plástico ficará na quarta-feira em câmara ardente no Teatro Thalia, em Lisboa.

Um homem à frente do seu tempo

Com a morte do artista plástico Júlio Pomar desaparece um homem que “esteve sempre à frente do seu tempo”, afirma o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

“Nós devemos a Júlio Pomar a abertura de Portugal ao mundo e a entrada do mundo em Portugal, desde logo durante a ditadura. Não apenas como pintor, desenhador, mas como grande personalidade da cultura. Nesse sentido, ele esteve sempre à frente do seu tempo”, disse o chefe de Estado.

"É uma grande herança que o país recebe deste homem", sublinhou a pintora Graça Morais, em entrevista à Renascença, na reacção ao desaparecimento de Júlio Pomar, aos 92 anos. A artista transmontana emocionou-se, mas insistiu em deixar um testemunho. "É difícil, mas eu tenho de falar, porque o Júlio foi sempre um grande amigo". Destacou a "enorme generosidade" que sempre lhe reconheceu, o "exemplo de cidadão", o lutador em tempo de ditadura e o homem sempre insatisfeito com o seu trabalho. "Perdi um amigo, mas a obra é tão importante que continua sempre connosco", afirmou a pintora.

“Tentei constantemente que a minha vista tivesse motivos de festa”

Em entrevista ao programa Ensaio Geral da Renscença, transmitido em junho de 2013, o artista revelou que foi a mudança da Rua das Janelas Verdes para o Bairro Alto, e consequente perda da vista sobre o Tejo, que o levou a pintar.

Longe do Tejo, que sempre lhe encheu a vista, viu-se incentivado a criar as suas telas.

“Nasci na rua das Janelas Verdes [em Santos, Lisboa]. A recordação mais forte, que mais profundamente me marcou, foi ter nascido e ter vivido até aos sete anos num quarto andar com o Tejo em frente”, lembra.

“Não sei se tivesse continuado, se essa festa dos olhos não me tivesse sido arrancada, se não tivesse sentido essa falta, não sei se em vez de pintar não seria outra coisa. Mas acho que foi essa falta de ver, a falta do trabalho e da alegria do olhar, que fez na reclusão dos sítios onde já não se via o mar, via quatro paredes, tentar constantemente que a minha vista tivesse motivos de festa”, explica.