O Parlamento Europeu aprovou esta semana uma controversa legislação que pretende acabar com a pirataria na internet, obrigando as plataformas digitais, como o Google, o Youtube ou o Facebook, a pagar direitos aos artistas, às empresas de informação e aos jornalistas, por agregarem e distribuírem os seus conteúdos.
Para alguns, tal representa acabar com a liberdade e a gratuitidade na internet. Eduardo Santos, presidente da D3, uma associação de defesa dos direitos digitais dos cidadãos, defende que alguns dos mecanismos previstos, como o recurso a filtros que barrem os conteúdos protegidos com direitos de autor, não vai funcionar. Argumenta que esses filtros acabarão por travar conteúdos legais.
"Sabemos que os filtros automáticos na prática não vão funcionar porque são incapazes de distinguir uma utilização lícita de uma utilização ilícita. Uma paródia de uma música é uma utilização perfeitamente lícita que não precisa de autorização do seu autor e usa a mesma composição musical. Sabemos já, porque o Youtube já tem filtros à posteriori, que é muito comum serem removidos conteúdos que, segundo a lei, seriam permitidos", disse no programa Em Nome da Lei, da Renascença, deste sábado, no qual foram debatidos os fundamentos e as consequências da legislação europeia que quer regulamentar a utilização pelas plataformas digitais dos conteúdos que outros criam, sem receberem qualquer contrapartida.
Críticas partilhadas por Luís Santos. O professor da Universidade do Minho acha que a nova legislação europeia é como querer matar mosquitos com uma caçadeira de canos cerrados. Defende que, tal como está, o projeto de diretiva vai trazer muitas consequências negativas para quem navega na internet.
No limite, pode dar origem a processos em tribunal, mesmo para os utilizadores individuais. Luís Santos exemplifica: "A Renascença pode processar-me a mim se eu partilhar um link de uma notícia da Renascença não tendo para isso permissão direta. Isto é meio absurdo."
Opinião diferente tem o editor e ex-livreiro Henrique Mota. "Não há aqui nenhuma censura. Falar de censura é uma ofensa a todos aqueles que produzem conteúdos e os disponibilizam também na internet", afirma.
Henrique Mota argumenta que atualmente os direitos de autor na internet, nas áreas da música e do jornalismo, são uma ficção. O que passará a acontecer é que as plataformas, que agregam e distribuem conteúdos, vão ter pagar direitos a quem os criou. O editor argumenta que, além das exceções que a lei irá prever, os autores poderão sempre optar por dar acesso livre à sua obra,
Já Nuno Conde, jurista do grupo Impresa, proprietário dos canais SIC e semanário Expresso, afirma que a crise que vivem hoje as empresas de comunicação social se deve em grande parte ao facto de a publicidade ter migrado para as plataformas digitais, provocando uma rutura em todo o ecossistema mediático.
"Onde antes havia receita agora só há prejuízo", constata, explicando que "os media tiveram que se adaptar ao digital, tiveram que fazer fortes investimentos que não foram ressarcidos com os canais tradicionais de financiamento da atividade dos media, que era a publicidade e a venda em banca".
Nuno Conde garante que não há qualquer semelhança entre o que foi aprovado pelo Parlamento Europeu e as soluções que foram adotadas na Alemanha e em Espanha e onde o feitiço se virou contra o feiticeiro, tendo os editores de notícias visto substancialmente limitada a circulação das suas notícias na internet. O jurista da Impresa diz que a solução europeia é diferente, não se prevê a imposição de uma taxa para a "linkagem de artigos", mas sim a obrigação de licenciamento das plataformas digitais.
O jurista destaca que a diretiva "permite que os editores tenham o direito de exigir às plataformas que negoceiem um acordo, um licenciamento. O que se prevê é que não haja mais a possibilidade destas grandes plataformas internacionais possam estar a beneficiar economicamente do esforço e do investimento que outros fizeram"
Para Nuno Conde, está em jogo a sobrevivência da industria europeia dos media, uma vez que, para as empresas de comunicação social terem sustentabilidade económica, têm de poder negociar e cobrar os seus direitos. Argumenta que não são apenas os órgãos de informação que são beneficiados, mas também os próprios jornalistas.
A presidente do Sindicato dos Jornalistas defende que a crise que vive atualmente o jornalismo, com jornais a fechar, jornalistas no desemprego e trabalho precário, se explica em parte pela apropriação do trabalho alheio, praticada desde há anos pelas plataformas digitais. Sofia Branco fala mesmo em "roubo" e diz que gostaria de ter visto outra abordagem ao problema, com as plataformas digitais disponibilizando-se a ceder uma parte dos seus lucros, para apoiarem um bem público que é a informação. " Gostava que tivessem ido apontar às grandes empresas de que estamos aqui a falar e que praticam roubo, e dizer-lhes 'vocês têm a responsabilidade social de financiar um bem que é público'."