O Governo tem estado a auscultar algumas dioceses sobre a possibilidade de estas disponibilizarem camas no mercado de arrendamento, aproveitando edifícios que a Igreja tenha vazios, como antigos seminários, e que não estejam a ser usados.
O secretário de Estado do Ensino Superior já contactou alguns bispos e o assunto está a ser analisado. O cardeal patriarca D. Manuel Clemente, por exemplo, confirmou à Renascença as conversações, garantindo que está disposto a colaborar para garantir o alojamento de alunos universitários. Contudo, lembrou que, no caso de Lisboa, o Estado também tem muitos edifícios desocupados que podem ser reaproveitados para acolher estudantes.
E as restantes dioceses, como olham para a proposta governamental?
As opiniões divergem no que diz respeito à cedência de imóveis da Igreja para alojamento estudantil, no sentido de fazer face à crise de oferta. Há quem receie a perda de identidade de alguns edifícios e, na ponta oposta, o caso da diocese da Guarda, que já recebe jovens estudantes oriundos dos PALOP- Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, no Seminário do Fundão. Já a diocese de Lamego vê na proposta uma potencial forma de cativar jovens para o Interior.
Na hora de encontrar alojamento, um quarto que seja, a tarefa pode não ser fácil. A procura faz disparar os preços e há senhorios que não passam recibos. Situação que leva Paulo Abreu e Carolina Cruz, ambos com 20 anos e a estudar em Viseu, a aplaudir a possibilidade de a Igreja Católica poder vir a ceder alojamento para jovens estudantes.
“A partir do momento em que a Igreja serve para o bem da comunidade, deve ajudar os estudantes, se não fosse a bolsa de estudo acho que os meus pais não conseguiam manter-me na universidade”, afirma Paulo, corroborado por Carolina, “acho que fazem bem, é uma boa iniciativa, muito gente ligada à religião preferia viver num sítio da igreja, do que numa residência”, diz a aluna do Politécnico de Viseu que recorda com saudade as colónias balneares organizadas pela a Igreja e em que já participou.
Mas na cidade de Viriato, o Padre António Jorge, reitor do Seminário de Viseu, e responsável da pastoral juvenil e vocacional de Viseu, garante que, no caso da diocese de Viseu, não há imóveis disponíveis para alojamento estudantil.
“Neste momento consultei as instituições diocesanas e não encontrei disponibilidade para alojamento no ensino superior, pode ser que no futuro a Igreja venha a tomar consciência que esta pode ser uma área pastoral, no futuro, mas no entanto de momento não nos é fácil disponibilizar”, assume o responsável que esteve ligado durante vários anos ao Serviço Nacional de Pastoral do Ensino Superior. “Desde 2012 que o Serviço Nacional da Pastoral do Ensino Superior alerta o senhor Secretário de Estado para várias problemáticas. A igreja tem dialogado sobre essa questão, não é nova. Há situações muito más, situações de debilidade económica”, alerta.
No que diz respeito ao Seminário de Viseu, que sofreu o esvaziamento de alunos, com o fim da formação teológica, em 2013, diz o Padre António Jorge, que é um edifício que tem uma identidade própria. “Iríamos tratar os estudantes como seminaristas? Como a nossa atividade não é comercial, como iriamos passar uma fatura a um estudante? Se houver no futuro um projeto, ele tem que ser bem construído. Neste seminário vai começar hoje um retiro do clero com participação substanciosa, iríamos dizer não aos padres, porque tínhamos cá os estudantes?” questiona, acrescentando que “o seminário tem a sua identidade, ele não pode servir só na ótica da hotelaria, não faz sentido”, considera.
Na diocese da Guarda, D. Manuel Felício, não fica surpreendido com a ideia do governo, até porque o Seminário do Fundão já acolhe estudantes oriundos dos PALOP- Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, e já há mais dois edifícios que podem ter como fim o alojamento estudantil, revela o prelado.
“Os Alunos da Escola Profissional do Fundão, cerca de 50 ou 60 são acolhidos no seminário local e temos outras hipóteses, o Centro Apostólico da Guarda, com 80 quartos e o Centro Cultural da Covilhã com 50 quartos, que não estão a ser utilizados, poderão ser mais bem aproveitados mas precisam de requalificação”, alerta, sublinhando que “não temos condições financeiras para o fazer, mas podemos entrar num processo de cooperação”. Até porque, para D. Manuel Felício, o Bispo da Guarda, a diocese não é dona de nada.
“Temos o dever de acolher, porque não somos donos de nada, somos apenas administradores, o administrador tem de cumprir a vontade do dono e por outro procurar responder com eficácia às necessidades e ao bem comum”, defende D. Manuel.
Em Lamego, o Bispo da diocese, D. António Couto, já reuniu com o secretário de Estado do Ensino Superior, Sobrinho Teixeira, e garante abertura total para o alojamento estudantil. “O secretário de Estado do Ensino Superior, Sobrinho Teixeira, reuniu comigo, no sentido de saber se a diocese estaria disponível para ajudar na instalação dos estudantes sobretudo os que vêm de África, Timor, e que não têm alojamento.
"A diocese está aberta e nem poderia ser de outra maneira”, começa por realçar. “Temos casas vazias, o seminário fica posto de lado, porque precisa de obras de vulto, mas temos algumas casas vazias que podemos disponibilizar”, concretiza. D. António Couto vê até num possível protocolo que se estabeleça com o Estado, uma oportunidade em cativar jovens para o Interior.
“Tanto quanto percebi da reunião com o senhor Secretário de Estado do Ensino Superior, Sobrinho Teixeira, o objetivo é que o Interior possa ser valorizado, acolhendo mais gente, a Escola Superior de Tecnologia e Gestão possa ser valorizada, com gente nova, e penso que no Interior haverá sempre vantagens, diferente de Lisboa, Porto ou Coimbra, onde deverá ser mais caro”, conclui.
As dioceses estão a fazer um levantamento dos imoveis disponíveis para estudantes, mas precisam que técnicos e especialistas vão ao terreno perceber as condições em que se encontram estes edifícios. “Será avaliado se serve ou se não serve, pode-se depois partir para um protocolo, mas que haja trabalhos na preparação das estruturas adequadas para alojamento”, salientou D. António Couto.