“Públicas têm melhores resultados do que privadas” se considerado contexto socioeconómico
16-06-2023 - 00:00
 • Cristina Nascimento

Para Tiago Neves, especialista do Centro de Investigação e Intervenções Educativas da Universidade do Porto, resultados das escolas públicas são afetados por um subinvestimento no setor.

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As escolas públicas conseguem ter melhores resultados do que as escolas privadas se, na análise da prestação dos estabelecimentos de ensino, forem tidos em conta os contextos socioeconómicos dos alunos.

A ideia é defendida por Tiago Neves, especialista do Centro de Investigação e Intervenções Educativas, da Universidade do Porto, que em entrevista à Renascença, a propósito da publicação do Ranking das Escolas 2022, refere que estas tabelas “comparam realidades que não são comparáveis”.

Olhando para o ensino público, Tiago Neves diz que os resultados das escolas refletem também um “subinvestimento” no setor, dando como exemplo dessa falta de investimento as greves e protestos de professores a que se assistiu ao longo deste ano letivo.

Os rankings são publicados há 20 anos e o ensino privado tem estado sempre nos lugares cimeiros. O que é que tem faltado ao ensino público para conseguir conquistar lugares mais favoráveis?

Embora aparentemente essa seja a pergunta a fazer, na verdade temos de olhar para esta questão de um outro ângulo. O ângulo para o qual eu e o meu colega Gil Nata, que já trabalhamos nisto há vários anos, gostávamos de chamar à atenção é o seguinte: não estamos a comparar realidades comparáveis.

Quando colocamos as escolas públicas de um lado e as escolas privadas do outro, e depois medimos pura e simplesmente os resultados nos exames, estamos a incorrer num erro que é sério do ponto de vista metodológico e depois das consequências que daí se retiram. Que erro é esse? É que nós não controlarmos o nível socioeconómico dos estudantes das escolas.

E se tivermos em conta o nível socioeconómico dos alunos, que resultados obtemos?

Quando nós temos dados, por exemplo, do PISA, da OCDE, que controlam o nível socioeconómico dos estudantes, o que verificamos é que os públicos saem-se, em Portugal, melhor do que os privados. Portanto, acharmos que as escolas privadas são melhores em si mesmas do que as escolas públicas não corresponde inteiramente à verdade.

É absolutamente factual que, em Portugal, desde que existem rankings, as escolas privadas apresentam melhores resultados dos seus estudantes do que as escolas públicas. Isso é uma verdade incontestável. Daí não decorre, no entanto, imediatamente que as escolas privadas sejam melhores que as públicas. Como disse, quando isolamos a variável do nível socioeconómico, o que acontece é que as públicas até têm melhores resultados do que as privadas.

O problema é que a generalidade da população não está a par destas situações, o que acaba por prevalecer é uma leitura demasiado simplista e distorcida dos rankings que leva a um efeito perverso: um reforço da segregação escolar. Os melhores alunos vão para aquelas que parecem ser melhores e os piores vão para aquelas que parecem ser piores.

Importa assinalar que isto tem acontecido num contexto de subinvestimento na escola pública. E mesmo nesse contexto, tem havido esta melhor performance das públicas relativamente às privadas, quando é controlado o nível socioeconómico.

Quais as consequências desse subinvestimento?

Esse subinvestimento tem tido reflexos que vimos, por exemplo, neste ano letivo, nas greves contínuas, nas manifestações, nas lutas dos professores por melhores condições de trabalho, por um trabalho também mais focado nas componentes pedagógicas e menos nas componentes burocráticas e administrativas.

É inacreditável como é que sucessivos governos, no meu entender, foram incapazes de colocar numa folha de Excel os dados da natalidade, do número de professores e respetivas idades e dos estudantes do Ensino Superior em cursos dirigidos ao ensino. Bastava alguém ter feito isso e provavelmente hoje não estaríamos confrontados com a previsão de uma enorme escassez de professores a breve trecho.

Há quem diga que este cenário já se previa… Foi incúria política?

Eu não estou dentro dos Ministérios, não sei quem é que já teria previsto este cenário, se estava previsto por quem tinha de prever. Agora, que acho estranho que um fenómeno desta magnitude esteja a acontecer acho. Acho obviamente estranho, porque todos sabemos que há 20 anos havia um discurso de que a carreira docente era qualquer coisa desinteressante, o desinvestimento nos cursos de ensino, etc. Se houve esta perceção de que havia alguma coisa a mudar, nunca houve politicamente uma alteração nesse discurso, nem medidas de inversão da situação.

Ainda vamos a tempo de inverter a situação?

Seguramente vai haver aqui um período, espero que o mais curto possível, em que haverá falhas no sistema que, provavelmente, não podem ser adequadamente resolvidas. Acho que isso vai ter de ser encaixado de alguma forma no sistema.

Depois terá de se fazer duas coisas: por um lado ter mais pessoas no Ensino Superior em cursos que habilitem para a docência, nas mais diversas áreas e, por outro, tornar a carreira docente mais interessante.

Há muito aquele mito de que no setor privado é que se trabalha e no público é que os salários são bons. Então expliquem-me como é que isso acontece se depois não há, por exemplo, médicos nem professores, duas das profissões quantitativamente mais significativas no setor público, em número suficiente nas escolas e hospitais públicos. Parece haver aqui alguma incongruência, não?