Conseguirá a CDU reconquistar Almada ao PS depois do "adormecimento"?
13-09-2021 - 07:15
 • Ana Carrilho

Inês de Medeiros ou Maria das Dores Meira? Almada continuará a ter uma mulher na presidência, esta é a única certeza num concelho em que as últimas autárquicas, em 2017, foram decididas por apenas 413 votos. Habitação e transportes são os temas principais da campanha para as eleições de 26 de setembro.

Inês de Medeiros nem sequer pensa na hipótese de perder a Câmara de Almada, que arrebatou à CDU há quatro anos, por 413 votos. Maria das Dores Meira, impedida de se recandidatar em Setúbal, quer recuperar um dos bastiões comunistas na Margem Sul do Tejo.

A autarquia de Almada foi perdida para o PS pelo "adormecimento" em que a CDU caiu, ao fim de tantos anos no poder, admite Maria das Dores Meira em entrevista à Renascença. Acusa Inês de Medeiros de nada ter feito pelo concelho no último mandato: "não fez um parque verde, uma escola, um centro de saúde, uma urbanização nova".

Por seu turno, Inês de Medeiros, a independente que se recandidata pelo PS, responde com o que considera ser o trabalho realizado, o dinamismo e o esforço de requalificação em diversas áreas, além do lançamento de projetos estruturantes.

As duas candidatas destacam-se no conjunto de sete que concorrem à presidência do oitavo concelho mais populoso do país. Disputam o lugar, mas podem precisar de ajuda para governar. Joana Mortágua, do Bloco de Esquerda, e Nuno Matias, do PSD, agora a liderar uma coligação à direita, podem ter uma palavra a dizer na definição de maiorias em Almada. Que nunca será feita com o PS e a CDU, palavra de Maria das Dores Meira.

No dia 26, serão os almadenses a decidir. Seja qual for a vencedora, tem muito trabalho pela frente. Almada ganhou mais 3.400 habitantes na última década, mas há milhares que não sabem o que é uma habitação com condições mínimas de dignidade, sobrevivendo em bairros de barracas. E todos se debatem com problemas de mobilidade, dentro do concelho ou para chegar à “outra banda”, Lisboa.

Por outro lado, todos os candidatos se mostram empenhados em contribuir para que Almada se afirme cada vez mais na Área Metropolitana de Lisboa e no país. Com o potencial turístico, a liderança na área científica, tecnológica e de inovação, com a Universidade Nova e a captação de investimento.

A “bandeira” comum da habitação

Os dados preliminares dos Censos 2021 revelam que Almada tem 177.400 habitantes, mais 3.400 do que há dez anos. Destes, mais de 151 mil são eleitores que podem decidir o destino do concelho nas próximas autárquicas.

Concorrem sete candidatos: Inês de Medeiros, que procura a renovação do mandato pelo PS; Maria das Dores Meira é a escolha da CDU para tentar recuperar a autarquia que, em democracia, foi sempre comunista até 2017, quando o PS a conquistou. O Bloco de Esquerda volta a apostar em Joana Mortágua, que nas últimas eleições foi eleita vereadora, embora tenha recusado o pelouro da Habitação por não querer integrar uma maioria que incluía o PSD.

Desta vez, os social-democratas juntaram-se ao CDS, ao Aliança, ao MPT e ao PPM e criaram a Coligação Almada Desenvolvida, encabeçada por Nuno Matias, que foi o grande apoio de Inês de Medeiros no último mandato. Concorrem ainda Bruno Coimbra, pela Iniciativa Liberal; Vitor Pinto, pelo PAN; e Manuel Matias, pelo Chega.

Da esquerda à direita, cada um à sua maneira, todos os candidatos têm a habitação como bandeira. Para o Bloco de Esquerda, o lema da campanha é mesmo “Uma casa, uma causa”.

Almada tem 62 bairros sociais, 43 dos quais nascidos nos últimos 25 anos. Ou seja, em plena liderança comunista. Vários são muito degradados, de barracas e sem as condições mínimas de habitação digna. Ainda assim, Maria das Dores Meira, em entrevista à Renascença, diz que as pessoas não se podem esquecer que “foi no tempo da CDU, entre 1990 e 2017, que foram atribuídas 1.500 habitações; que os prédios abandonados do Chegadinho foram demolidos e construídos novos; que as pessoas que estavam na Terra da Costa foram realojadas. Isto sem que a habitação seja responsabilidade dos municípios, mas do Governo central”.

A candidata comunista acusa a atual presidente de nada ter feito no seu mandato para melhorar a situação e assume, no seu programa eleitoral, querer acabar com as barracas, com a ajuda da Renda Apoiada e da Renda Acessível. “A Renda Apoiada pode ser financiada em 50% e nós temos de tentar resolver através dos programas de financiamento do Estado (1º Direito ou Porta de Entrada) que facilitam o realojamento urgente de pessoas com carências económicas e a viver em condições habitacionais indignas. O PRR [Programa de Recuperação e Resiliência] devia apoiar os outros 50%, mas o primeiro-ministro já veio dizer que não, que é só para o Estado”.

Ou seja, é para o Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU), entidade com a qual a atual presidente diz já ter assinado um protocolo para a construção de 3.500 fogos. “Inicialmente, o IHRU dizia que tinha que ser sob o regime de Renda Acessível, mas Almada afirma que parte daquelas habitações tem que entrar na Renda Apoiada”, disse Inês de Medeiros à Renascença.

Segundo o levantamento feito pela autarquia, são necessárias 4.500 novas casas de habitação social (as que vão ser construídas pelo IHRU e outras mil, identificadas para a Renda Apoiada).

Inês de Medeiros também diz querer acabar com os bairros de barracas em dez anos e tentar que, entretanto, não cresçam. “Porque, com a pandemia, muita gente perdeu a casa e sentimos um aumento da habitação indigna”, admite a presidente.

Para reduzir esta carência, conta com o PRR. “Se correr bem”, disse em entrevista ao Diário de Notícias. À Renascença explica a afirmação: “vão ser feitas imensas construções. É preciso garantir que há fornecedores, empreiteiros, materiais, mão de obra. E ter em conta a subida das matérias-primas, desde o lançamento dos concursos à conclusão das obras, embora o Governo já esteja a tomar medidas nesta área. Falamos em 4.500 casas. O PRR, correr bem, depende de muitos fatores, alguns até externos”.

Arrendamento jovem a custos controlados, apoio de emergência para rendas, construção, reabilitação, realojamento, regulação do turismo ou planos municipais de habitação, são algumas das propostas que o Bloco de Esquerda mantém para estas eleições. Joana Mortágua lembra que foi por sua proposta que Almada foi o segundo município a candidatar-se ao Estatuto Especial de Município em Carência e Emergência Habitacional. “Vi coisas que achava que não era possível ver neste país, ainda mais aqui em Almada, às portas de Lisboa”, revelou a candidata bloquista no Fórum Socialismo 2021.

A difícil mobilidade num concelho em crescimento

Almada ganhou habitantes, nuns casos porque as pessoas fogem dos concelhos onde as casas são mais caras, como Lisboa Cascais ou Oeiras. Apesar de já ser o município onde o preço por metro quadrado mais cresce. Noutros casos, os novos residentes procuram melhor qualidade de vida, mais calma, em zonas ainda menos densificadas, como a Charneca da Caparica ou a Sobreda. Onde há muitas crianças. “O que levanta muitos desafios, nomeadamente ao nível da educação, a que temos de responder”, admite a atual presidente da Câmara.

É mais um ponto em que Maria das Dores Meira critica Inês de Medeiros. “Quando diz que está a gastar 8,5 milhões de euros na reabilitação de escolas, não é verdade. Metade desse valor é responsabilidade do Estado para remover o amianto. E a escola da Charneca, foi o Ministério da Educação que a fez, não a Câmara. Mesmo assim, uma má opção, porque só dá para 200 alunos”.

Mas circular dentro do concelho ou chegar a Lisboa é um pesadelo. Por isso, todos os candidatos defendem a construção de uma terceira travessia no Tejo, entre a Trafaria e Belém ou Oeiras.

“É absolutamente essencial”, diz a candidata comunista que lembra o Plano de Urbanização da Cidade da Água, da presidência CDU, que prevê a existência de um túnel entre Cacilhas e o Cais do Sodré, a ligar o Metro do Sul do Tejo ao Metro de Lisboa. “Isto é que era uma cidade com duas margens, mas o Governo nunca quis saber de Almada”, acusa.

Para Inês de Medeiros, “a [nova] travessia é uma inevitabilidade e preferíamos que não fosse em urgência. Na proposta de revisão do PDM está reservado um espaço-canal para que a travessia possa ser feita. Mas dizem-me que, com as novas técnicas, o túnel é mais rápido na construção, seguro e económico. Um modelo que está a ser adotado pelo Japão. Não sei se é ponte ou túnel, não nos cabe decidir, mas temos reivindicado”.

Por garantida – palavra de primeiro-ministro, António Costa, no lançamento da candidatura socialista almadense – Inês de Medeiros dá a extensão do Metro Sul do Tejo até à Costa da Caparica. “Tenho a garantia de que estará no Plano Plurianual de Investimentos porque os prazos do PRR são muito curtos. 110 milhões de euros financiados pelos fundos europeus de coesão. Gostaria que estivesse pronto até 2026”.


Essa é uma ligação que Maria das Dores Meira defende igualmente – e também até ao Seixal –, mas não hesita em criticar o facto de António Costa a ter anunciado como ação de campanha, “para servir as necessidades do projeto ‘Innovation Distrit’. O que devia era prometê-lo para todos os almadenses”.

Este é um projeto que a candidata comunista considera que “poderia ser muito bom, se pudesse acontecer, não há PDM para sustentar aquilo”. No entanto, Inês de Medeiros refere-o como um projeto estruturante destes quatro anos de mandato, uma espécie de Sillicon Valley à portuguesa. Uma parceria da Câmara com a Universidade Nova e promotores privados para a construção de uma residência de estudantes, equipamentos desportivos, hotelaria, agricultura biológica e a criação do instituto de Arte e Tecnologia, na Trafaria.

É um dos projetos com que a atual autarca quer transformar Almada numa referência para a Área Metropolitana de Lisboa e para o país. Também Maria das Dores Meira diz que “é preciso recuperar esta terra para a senda do progresso e desenvolvimento que vinha a ser praticado durante a governação CDU, até 2017. Temos de pôr Almada no centro político nacional e até internacional”. E diz à Renascença que uma das formas é através da reabilitação, com mais transportes públicos e, de preferência, em modo “suave. Temos de analisar outros modos de circulação”.

Seja quem for a vencedora deste combate almadense, a partir do próximo ano, o concelho terá mais 34 carreiras (22 dentro do concelho), com maior frequência e em horários alargados. Boa parte delas no âmbito das alterações que vão ser feitas na mobilidade na Área Metropolitana de Lisboa, que passa a ser gerida nos 18 concelhos pela Transportes Metropolitanos de Lisboa.

Coligações pós-eleitorais e "linhas vermelhas"

A independente Inês de Medeiros apresenta como trunfo o trabalho realizado nos últimos quatro anos, “que foram muito desafiantes, muito difíceis, tenho em conta que “conquistámos uma câmara que nunca tinha mudado de força política e que tinha formas de funcionamento muito cristalizadas. Trouxemos grande dinamismo com projetos estruturantes, obras a diversos níveis, requalificação, intensificação da programação cultural e reforço dos apoios sociais”.


Maria das Dores Meira contesta. Diz que nada foi feito no último mandato e quer voltar a estar próxima das pessoas, dos trabalhadores da autarquia e do movimento associativo.

Admite que a CDU teve culpa na perda da Câmara em 2017. “Houve algum adormecimento e numa autarquia em que se quer o bem das pessoas tem que se estar bem acordado e atento às suas necessidades. Quando se adormece, que acho que foi o que aconteceu, dá aquele resultado. Não foi tanto o PS que ganhou, mas sim, a CDU que lhe escancarou as portas para tomar o poder. E depois um violento ataque à estrutura, por ter estado tanto tempo na liderança. Água mole em pedra dura… Mas a CDU não podia ter-se desleixado nalgumas questões”, admite a candidata que, depois de ter estado 20 anos em Setúbal, quer sentar-se na cadeira da presidência em Almada, cidade onde vive há 52 anos.

Assume que gostaria de ter maioria absoluta, “porque dá outro equilíbrio e segurança na governação”. Mas, se não conseguir, Maria das Dores Meira mostra-se disponível para construir maiorias “com quem mostrar competência”, exceto o PS.

“Com esta gestão, não. Vamos ver [o que pode incluir o BE], não excluo nada; só o PS. Por decidir está a entrega ou não de pelouros a outras forças e, caso o faça, vamos ver se aceitam”. Não quer pensar na hipótese de perder, mas se acontecer, assumirá o cargo de vereadora.

O pensamento e garantia da candidata do PS são os mesmos: “assumo sempre os meus compromissos. Estou confiante na vitória”.

Se continuar a não ter maioria absoluta, Inês de Medeiros avança que seguirá o modelo de 2017: “reuni com todos, ofereci pelouros a todos os vereadores eleitos – inclusive o da Habitação a quem diz que é Uma casa, uma Causa [BE] e o mesmo farei agora. Mas não escondo que há linhas vermelhas: tenho muita dificuldade em imaginar uma conversa com o representante de uma força política que é contra o nosso sistema, não gosta da nossa Constituição e viola permanentemente os valores do Estado de Direito”. Ou seja, o Chega, cujo candidato Manuel Matias também deixa claro que “não nos coligamos com a esquerda”.

Há quatro anos Inês de Medeiros acabou por fazer um entendimento com o PSD, que elegeu dois vereadores. E foi por isso que o Bloco não aceitou o pelouro que lhe foi proposto. Agora, volta a ser uma “linha vermelha”. Joana Mortágua já deixou bem claro que “o Bloco nunca irá governar com a direita porque quem governa com a direita, acaba a governar à direita”. E apelando ao voto, alerta os eleitores almadenses que muito do que acontecer no próximo mandato não depende apenas de uma escolha entre PS e CDU, mas da força que o BE tiver para impor soluções”.

Outro fiel da balança poderá continuar a ser o PSD, agora na Coligação Almada Desenvolvida, com o CDS, Aliança, MPT e PPM. Apesar de considerar que pode ser o melhor presidente, Nuno Matias também manifesta disponibilidade para repetir um acordo.

Em 2017, a taxa de abstenção em Almada foi de 55,8%. Atualmente, o concelho tem mais de 151 mil eleitores. Resta saber quantos vão pronunciar-se em relação ao futuro político da autarquia.