O que se passou nos últimos dias e esta tarde de terça-feira não tem problema. É a política. E sempre foi assim, à direita, ao centro e agora à esquerda. O problema não é a solução – um entendimento parlamentar, que derrubou o governo e há-de gerar um governo PS com apoio do Bloco, PCP e PEV – são os sinais.
A democracia é isto mesmo – uma permanente negociação que muda de nível quando não existe uma maioria clara. É assim. Nada de extraordinário, apesar da novidade, dos protestos e de alguma desconfiança. Se assim não fosse o regime não seria democrático. Teria um matiz diferente, mais ou menos esclarecido, mais ou menos ditatorial.
Ao longo da última legislatura, os portugueses foram confrontados com momentos de privação. Como a Renascença reportou de forma clara, directa e objectiva, o sofrimento foi enorme. Alguns desistiram da vida – sim, isso aconteceu –; outros deixaram a família e emigraram; muitos conheceram o despedimento, a miséria e a infelicidade; muitos outros ficaram encalhados na precaridade ou no desemprego de longa duração. Outros ainda viram as suas empresas fechar. Não foi bonito. Não é bonito.
Ao longo da última legislatura, tivemos um governo que teve um “memorando” duro, muito duro, para cumprir, e que ainda assim, com alguma arrogância, chegou a dizer que era preciso ir mais longe. Um governo incapaz de estabelecer pontes com a oposição – leia-se PS. E várias vezes António José Seguro foi humilhado – deixado a falar sozinho.
Mas a História, mesmo a pequena história, é o que é e já não pode ser alterada. O mesmo já não acontece com o presente e com o futuro.
Gostava de estar enganado, mas não entendo a chamada coligação de esquerda. As notícias do presente são confusas. Dizem-nos que os documentos de compromisso, entre as várias forças (PS, BE, PCP e PEV), foram assinados em separado, sem a presença de jornalistas. Porquê? As moções de rejeição do governo foram apresentadas em separado. Porquê, se há um entendimento parlamentar para viabilizar um governo PS? Porquê, se estão de acordo no que teoricamente os uniu: a contestação e reprovação do Governo PSD-CDS?
O presente perspectiva um futuro difícil: há entendimento, mas parece que ninguém quer ser visto com o outro. Há acordo, mas parece que todos querem garantir o seu lugar tradicional – uns garantindo que são europeístas convictos, outros não querendo ser vistos com quem há poucas semanas acusavam de estar coligado com a direita, ao mesmo tempo que tentam garantir o estatuto de partidos de protesto.
Tudo isto, dizem, com um compromisso para uma legislatura. Quatro anos? Como? Como é que o PS vai conseguir entendimentos permanentes, para toda a governação, quando o início de conversa surge assim?
E à direita a porta está fechada: Marco António Costa, na Renascença, e Paulo Portas, esta terça-feira, no Parlamento, já disseram que a partir de agora o entendimento com o PSD e CDS-PP já não tem espaço político para acontecer, mesmo em matérias fulcrais para o país. Posição que também não se entende: o objectivo de qualquer partido não deve ser o interesse nacional? Cabe neste plano a pequena vingança de partidos que ambicionam a liderança do Governo da República?
Gostava de estar enganado, mas parece-me que isto vai acabar mal. E, pelo que se passou nos últimos quatro anos, não é justo e o país não merece.
Não estou a defender que a solução fosse um entendimento entre o PSD e o PS. Não. Também não resultaria, uma vez que a desconfiança entre os dois partidos atingiu um nível que também não garantiria estabilidade. Estou a defender que António Costa fizesse a Passos Coelho o que Jerónimo de Sousa, Catarina Martins e Heloísa Apolónia vão agora fazer ao líder do PS: exigir ponto por ponto um entendimento. E quando tal não fosse possível, que o povo fosse de novo chamado a votos.
Gostava de estar enganado, mas não acredito numa estabilidade construída com este nível de compromisso, com sinais de recato envergonhado e com um primeiro sinal externo: a CGTP, a tomar conta do Largo de S. Bento para festejar a queda do governo e a previsível constituição de um futuro governo PS. Estranho, não?