Morreu a escritora Agustina Bessa-Luís
03-06-2019 - 11:28
 • Marta Grosso com redação

Tinha 96 anos. É um dos nomes mais reconhecidos da literatura portuguesa e deixa mais de uma centena de obras.

Agustina Bessa-Luís morreu esta segunda-feira, dia 3 de junho. O bispo do Porto confirma à Renascença a morte da escritora.

D. Manuel Linda vai celebrar a missa exequial na terça-feira, às 16h00, na Sé do Porto. O funeral segue depois para a Régua, onde também está sepultado o seu marido, Alberto Luís, falecido em novembro de 2017.

Em comunicado publicado no Círculo Agustina Bessa-Luís, a família detalha que “o corpo ficará em câmara ardente a partir das 10h30” de terça-feira, dia 4. “Finda a cerimónia religiosa presidida pelo Senhor Dom Manuel Linda, bispo do Porto, o corpo seguirá para o cemitério do Peso da Régua, onde será sepultado na intimidade da família”.

Agustina Bessa-Luís escreveu livros de vários tipos, mas foram os romances que mais a distinguiram. Em especial, “A Sibila” – publicado em 1954, remete para as figuras clássicas das sibilas, como a Delfos.

A obra, a que mais prestígio lhe trouxe, valeu à escritora o Prémio Delfim Guimarães e o Prémio Eça de Queiroz. Fez ainda parte, durante vários anos, do programa de Português do secundário.

Em 2004, Agustina Bessa-Luís recebe o mais importante prémio literário da língua portuguesa: o Prémio Camões. O júri foi unânime em considerar que a obra da escritora "traduz a criação de um universo romanesco de riqueza incomparável, contribuindo para o enriquecimento do património literário e cultural da língua comum".

No mesmo ano, é agraciada com o Prémio Vergílio Ferreira, atribuído pela Universidade de Évora.

O Presidente da República foi dos primeiros a reagir a morte de Agustina. Numa nota publicada no site da Presidência, Marcelo Rebelo de Sousa “curva-se perante o génio” da escritora.

Ímpar

Todos os que tentaram reconhecem ser difícil definir e contextualizar, em termos de correntes, a obra de Agustina Bessa-Luís na história da literatura portuguesa.

A escritora surgiu no panorama literário português numa altura em que a oposição entre o neo-realismo e o modernismo do movimento da “Presença” (uma das mais influentes revistas literárias do Portugal do século XX) atingia o seu auge.

Ao todo, Agustina Bessa-Luís escreveu 48 romances, cinco peças teatro, dezenas de crónicas e textos ensaísticos. Deixou ainda obra na literatura infantil, com “A Memória de Giz” (1983), “Contos Amarantinos” (1987), “Dentes de Rato” (1987), “Vento, Areia e Amoras Bravas” (1990) e “O Dourado” (2007).

Algumas obras passaram para o cinema: sete pela mão de Manoel de Oliveira e uma com João Botelho:

  • “Francisca” (1981, do romance Fanny Owen);
  • “Vale Abrão” (1993);
  • “O Convento” (1995, com Catherine Deneuve e John Malkovich, adaptado do romance “As Terras de Risco”)
  • “Party” (1996);
  • “Inquetude” (1998, baseado no conto “A Mãe de um Rio”);
  • “O Princípio da Incerteza” (2002);
  • “Espelho Mágico” (2005, do romance “A Alma dos Ricos”) e
  • “A Corte do Norte” (2009, realizado por João Botelho).


“Não é fácil escrever, como não é fácil viver”

Agustina Bessa-Luís passava grande parte do dia sentada a uma mesa, a escrever. E mesmo que fosse interrompida por contingências da vida doméstica, retomava a escrita como se nada se tivesse passado.

“A mãe tinha isso”, diz Mónica Baldaque, filha da escritora. “Gostava muito de sair, de estar com outras pessoas e meios, literários ou não, e depois chegar a casa e isolar-se completamente, como se tudo se tivesse varrido e havia esse momento de dedicação à escrita e de reflexão”, conta à Renascença, na reportagem “O Mundo de Agustina” (que pode ver no topo da página).

Desde sua estreia, em 1948, Agustina Bessa-Luís dedicou-se quase inteiramente à criação literária e manteve um ritmo de publicação pouco usual nas letras portuguesas.

Em fevereiro deste ano, Isabel Rio Novo lançou uma biografia sobre a escritora. “O Poço e a Estrada” foi lançado durante o festival Correntes d’Escritas, na Póvoa de Varzim.

Não é uma biografia definitiva, como “nenhuma é”, explicou a autora à Renascença, adiantando que uma das coisas que mais a surpreendeu foi perceber pormenores sobre os primeiros passos da autora no mundo literário.

Isabel Rio Novo dedicou mais de 500 páginas a Agustina, cruzando livros, personagens e detalhes da sua vida contados, entre outras pessoas, pelo marido, Alberto Luís. Era o braço direito da escritora. Foi ele, por exemplo, que transcreveu os manuscritos de “A Ronda da Noite”.

Agustina Bessa-Luís nasceu em Vila Meã, Amarante. Foi jornalista e diretora do Teatro Nacional D. Maria II.

Desde muito jovem que se interessou por livros, descobrindo na biblioteca do avô materno, os clássicos da literatura espanhola, francesa e inglesa, marcantes na sua formação literária.

Em 1950, fixa definitivamente residência no Porto. É também nesta cidade que, cinco anos antes, a 25 de julho, se casa com Alberto Luís. Conheceu o marido através de um anúncio no jornal “O Primeiro de Janeiro”, publicado pela própria Agustina quando procurava uma pessoa culta com quem se corresponder.

Tantas acutilante e controversa, Agustina Bessa-Luís foi convidada da Renascença no programa “Diga Lá Excelência”, onde afirmou: “É muito importante a dificuldade, os passos serem dados lentamente e a pessoa sentir que não é fácil escrever, como não é fácil viver”.