O impacto da pandemia de Covid-19 no mercado de trabalho foi mais severo do que o previsto e a recuperação é incerta, na avaliação da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
No segundo trimestre de 2020, perderam-se cerca de 400 milhões de empregos, bem mais do que o previsto no último Relatório da OIT, divulgado há três semanas. As mulheres foram as principais atingidas.
A OIT aponta três cenários de recuperação nos últimos seis meses do ano, mas nenhum atinge os níveis pré-pandemia.
À medida que se agrava a crise do desemprego, a recuperação também se revela mais incerta e incompleta, alerta aorganização no seu 5.º relatório “A Covid-19 e o mundo do trabalho”, divulgado esta terça-feira.
No segundo trimestre deste ano, registou-se uma queda de 14% nas horas trabalhadas, equivalente à perda de 400 milhões empregos a tempo completo. Este valor representa um aumento muito acentuado relativamente às previsões da OIT publicadas há três semanas e que apontavam para uma queda de 10,7%, equivalente a 305 milhões de empregos.
Os novos números refletem o agravamento da situação em várias regiões do globo e sobretudo em economias em desenvolvimento. A situação mais grave vive-se nas Américas, com quebras superiores a 18%, mas todas as outras (Europa e Ásia Central, Ásia e Pacífico, Estados Árabes e África) registam perdas acima dos 12%.
93% dos trabalhadores vivem em países em que alguns ou muitos locais de trabalho continuam encerrados. As maiores restrições verificam-se na região das Américas.
Recuperação nunca atingirá os níveis pré-pandemia, mesmo no cenário mais otimista
Para o segundo semestre, a OIT apresenta neste relatório três cenários de recuperação, mas sublinha que os resultados a longo prazo dependem da trajetória futura da pandemia e das opções e políticas governamentais.
O cenário base, de referência, projeta uma redução de 4,9% nas horas de trabalho em relação ao último trimestre do ano passado, o que equivale à perda de 140 milhões de empregos a tempo completo. Pressupõe uma recuperação da atividade económica de acordo com as previsões existentes, o levantamento das restrições dos locais de trabalho e a recuperação do consumo e do investimento.
O cenário pessimista tem em conta uma segunda vaga da pandemia e o regresso das restrições, que colocariam em causa a recuperação económica. Uma queda de quase 12% nas horas de trabalho equivalem ao corte de 340 milhões de empregos.
A OIT também refere um cenário mais otimista, em que as atividades seriam retomadas rapidamente, aumentando significativamente a procura agregada e a criação de empregos. A perda de horas de trabalho seria “apenas” de 1,2%, ou seja, equivalente a 34 milhões de empregos, ou seja, não há um cenário favorável aos trabalhadores e ao mercado de trabalho, a nível global.
Mau para todos, mas pior para as trabalhadoras
Não é novidade nos relatórios da OIT mas a organização volta a frisar que a COVID-19 “atingiu desproporcionalmente as mulheres” e há “o risco de alguns modestos progressos na igualdade conquistados nas últimas décadas serem perdidos, enquanto as desigualdades no trabalho são exacerbadas”.
510 milhões de mulheres ou seja, 40% de toda a mão-de-obra feminina trabalha nos setores mais afetados pela pandemia e crise que se lhe seguiu: alojamento, restauração, comércio e produção. Além disso, ainda dominam no trabalho doméstico, assistência social e saúde, onde correm o risco de perder o seu rendimento ou de infeção e transmissão da doença. E em muitos casos, com pouca ou nenhuma proteção social.
Decisões de hoje têm impacto na próxima década
O diretor-geral da OIT, Guy Ryder, frisa que as decisões políticas que forem tomadas agora “terão eco nos próximos anos e para além de 2030. Embora os países estejam em diferentes estágios da pandemia e já muito tenha sido feiro, é preciso redobrar os esforços, se quisermos sair desta crise em melhor forma do que quando ela começou”.
Encontrar um equilíbrio justo e a sequência adequada entre as intervenções de saúde e económicas e as intervenções sociais e políticas para produzir resultados sustentáveis para o mercado de trabalho; proteger e promover as condições dos grupos vulneráveis, desfavorecidos e mais afetados, para tornar os mercados de trabalhos mais justos e equitativos; garantir solidariedade e apoio internacionais, sobretudo para países emergentes e em desenvolvimento e reforçar o diálogo e respeito pelos direitos dos trabalhadores, são os principais desafios definidos pela Organização Internacional do Trabalho.
Na próxima semana, a OIT vai organizar uma Cimeira Mundial sobre a Cocid-19 e o Mundo do Trabalho. Guy Ryder já afirmou esperar que os governos, trabalhadores e empregadores aproveitem a oportunidade para “apresentar e ouvir ideias inovadoras, debater sobre as lições aprendidas e apresentar planos concretos para, juntos, trabalharem para um recuperação rica na criação de empregos, inclusiva, equitativa e sustentável”.