Clarificação da Santa Sé é prudente, mas não surpreendente, diz especialista em bioética
21-12-2020 - 17:29
 • Henrique Cunha , Filipe d'Avillez

A Santa Sé já se tinha pronunciado no passado sobre o uso de vacinas produzidas com recurso a linhas de células obtidas de fetos abortados. Nestes casos é lícito, uma vez que não há uma relação causal direta.

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A utilização de vacinas contra a Covid-19 produzidas com recurso a linhas de células obtidas originalmente de fetos abortados é moralmente aceitável, desde que não exista alternativa, clarificou esta segunda-feira a Congregação para a Doutrina da Fé.

O departamento da Santa Sé publicou esta segunda-feira uma nota onde esclarece que nos casos em que os cidadãos não puderem escolher o tipo de vacina, é moralmente aceitável usar vacinas anti-Covid-19 que usem esse tipo de células.

Em declarações à Renascença, Ana Sofia Carvalho, Professora do Instituto de Bioética, da Universidade Católica Portuguesa, refere que a posição do Vaticano não surpreende e acrescenta que estas células já são usadas numa grande quantidade de ensaios clínicos.

“Não me surpreende de todo. Estamos a falar de células de linhas celulares que estão comercialmente disponíveis e que foram obtidas de fetos de interrupções voluntárias da gravidez na década de 70, ou seja, são células já muito antigas, que são hoje usadas em quase toda a investigação científica”, explica.

Ana Sofia Carvalho explica que estas “são células com características muito específicas, muito fáceis de trabalhar, que permitem resultados mais rápidos e portanto são usadas em quase toda a investigação científica. E isso inclui também as últimas investigações na área das vacinas para a Covid.”

Neste caso em particular, as células encontram-se nas principais vacinas contra a Covid que se encontram no mercado, “como usam a maior parte dos ensaios clínicos, e se fôssemos fazer essa salvaguarda certamente a maior parte dos fármacos que temos hoje disponíveis para a maior parte das doenças teriam também questões éticas importantes”.

O facto de esta não ser uma questão nova explica que a Congregação para a Doutrina da Fé já se tivesse pronunciado sobre ela noutras ocasiões, antes da pandemia, mas em todo o caso Ana Sofia Carvalho considera prudente o facto de o Vaticano ter produzido este esclarecimento. “Porque vimos nos últimos meses algumas polémicas relacionadas com esse assunto, parece-me prudente que o Vaticano venha reforçar que, independentemente – e obviamente – de continuar a condenar o aborto, que o uso destas células nestas circunstâncias específicas não é moralmente ilícito.”

“Obviamente que não há cumplicidade e as células vão continuar a ser usadas na investigação, independentemente, e como bem refere a nota, de não haver cumplicidade com o aborto, porque não há uma relação causal direta entre uma coisa e a outra”, conclui.