O Papa Francisco diz que não compreende o ceticismo manifestado por algumas pessoas perante as vacinas contra a Covid-19 e diz que a “humanidade tem uma história de amizade com as vacinas”.
Em conversa com os jornalistas a bordo do avião que o transportou da Eslováquia para Itália, depois de uma viagem de cinco dias que incluiu uma ida relâmpago à Hungria, Francisco admitiu que a questão tenha a ver com a variedade de vacinas que existem e a rapidez com que foram aprovadas, algo que descreveu como “virulência da incerteza”, em declarações citadas pela Vatican News.
Na altura em que foram apresentadas as primeiras vacinas alguns notaram que estas usavam linhas de células derivadas de fetos, na década de 70. Esse facto levou alguns católicos a recusar as vacinas por razões morais, mas a Congregação para a Doutrina da Fé já disse que não existem razões éticas ou religiosas para as rejeitar.
Durante a conversa o Papa também referiu que também há negacionistas entre os cardeais, referindo um, “coitado”, que chegou a estar hospitalizado em estado crítico. A referência parece ter sido ao cardeal Raymond Burke, um cardeal americano que manifestou ceticismo em relação ao vírus, citando teorias da conspiração, e que adoeceu com Covid-19 em agosto, mas já recuperou.
No Vaticano, explicou o Papa, todos os residentes, funcionários e suas famílias foram já vacinados, exceto “um grupo muito pequeno” que recusou a vacina. “Estão a ver agora como os podem ajudar”.
Comunhão para políticos pró-aborto
Uma das questões postas ao Papa durante a viagem teve a ver com o debate que decorre atualmente na Igreja americana, nomeadamente entre os bispos, sobre se estes devem, ou não, recusar dar a comunhão a políticos católicos que defendam publicamente o aborto. Entre estes políticos está Joe Biden.
Francisco disse que não conhece os detalhes do caso, mas que em geral aconselha os bispos a adotar sempre uma postura pastoral.
“Olhando para a história da Igreja, podemos ver que sempre que os bispos não agem como pastores quando enfrentam um problema acabam por tomar posições políticas. Isto não é pastoral”
“E o que deve fazer um pastor? Ser pastor. Não é andar por aí a condenar. Devem ser pastores ao estilo de Deus, que é com proximidade, compaixão e carinho. Um pastor que não sabe como agir ao estilo de Deus escorrega e acaba por entrar em muitas áreas que não são as do pastor”, afirmou.
Francisco disse que nunca recusou a comunhão a ninguém, mas salvaguardou que nunca tinha estado nessa posição. “Não sei se alguém se apresentou para comungar nessa situação, mas eu nunca recusei a eucaristia, desde que sou padre”, sublinhou.
Falando especificamente sobre a questão do aborto, contudo, Francisco foi perentório. “Aceitar o aborto é como aceitar o assassinato no dia-a-dia. Quem faz um aborto comete um homicídio. Vejam em qualquer livro de embriologia, a partir da terceira semana da gravidez, muitas vezes mesmo antes de a mãe se aperceber, estão lá os órgãos todos, bem como o ADN. É uma vida humana, ponto final. E toda a vida humana deve ser respeitada. Este princípio é muito claro”.
Tensão na Hungria? Nem por isso
A visita do Papa à Hungria, que durou menos de um dia, foi antecedida de muita especulação sobre se Francisco iria encontrar-se com o primeiro-ministro Viktor Orbán. O Papa tem divergências públicas com Orbán em relação a temas como o acolhimento de imigrantes e refugiados, mas diz que esse tema não foi abordado na reunião em que tiveram juntos. Antes, falou-se de temas e valores comuns.
“Eu recebi o Presidente e ele veio com o primeiro-ministro [Orbán] e o vice-primeiro-ministro. Quem falou foi o Presidente. O primeiro tema foi a ecologia, e aí os húngaros estão de parabéns, pela consciência ecologista que têm. Explicou como purificam os rios, coisas que eu não sabia”, explicou Francisco.
“Depois perguntei sobre a idade média da população, porque estou preocupado com este inverno demográfico. Em Itália são 47 anos, em Espanha penso que é pior, há muitas aldeias vazias, ou só com idosos. Como é que se pode resolver isto? O Presidente explicou que têm leis para ajudar os casais jovens a casar e a ter filhos. Foi muito interessante”, sublinhou.
“Vi que há muitos jovens, muitas crianças. Na Eslováquia também reparei nisso. O desafio agora é encontrar empregos, para que não tenham de ir para o estrangeiro procurar”, disse Francisco.
O Papa referiu-se também ao problema do antissemitismo, do qual falou durante a sua viagem, lamentando que está a “ressurgir, tornou-se moda. É uma coisa muito, muito feia”.