A cidade de Jerusalém é um daqueles locais que, como se diz acerca dos Balcãs, produz mais história do que aquela que consegue gerir. Durante décadas, Berlim foi um ponto quente da Guerra Fria; mas a queda do Muro e a reunificação da Alemanha apagaram divisões e cicatrizaram feridas.
Jerusalém, por seu turno, é há muitos e muitos séculos um local escaldante, um caldeirão de religiões, culturas, etnias e olhares políticos e de muitas e muitas guerras, entre cruzadas e jihads, intifadas e bombistas, checkpoints e colonatos.
Em suma, é muitíssimo mais do que uma simples cidade e qualquer diplomata sabe que tudo o que diz respeito àquele pedaço de terra santa tem de ser tratado com lupa e pinças.
É decerto uma trágica coincidência – embora também devesse constituir um poderosíssimo estímulo ao ecumenismo inter-religioso – que Jerusalém seja solo sagrado para os três credos monoteístas do globo: para o judaísmo, porque ali esteve o templo de Salomão, de que hoje só resta o Muro das Lamentações; para o cristianismo, porque ali se julgou e crucificou Jesus Cristo, e para o islamismo, porque ali ascendeu o profeta Maomé ao paraíso. E tudo isto, literalmente, no espaço de umas centenas de metros, no Monte do Templo, também chamado Esplanada das Mesquitas.
Segundo os israelitas, Jerusalém é a sua capital; segundo os palestinianos, é parte inalienável do seu Estado.
Por tudo isto, o resto do mundo tinha por bom hábito não manter ali embaixadas, mas apenas consulados, sinalizando, com maior ou menor (im)parcialidade conjuntural, que a cidade santa é um “corpus separatum”, desejavelmente uma zona neutra e desmilitarizada, que melhor fora estar sob a tutela da ONU, como, de resto, estava previsto no plano de partição da Palestina britânica, estabelecido em 1947.
É a esta luz que a recente decisão de Donald Trump de vir a transferir a embaixada dos EUA de Telavive para Jerusalém tem de ser olhada.
Numa primeira nota, a opção de Trump não é uma surpresa, nem uma invenção mirabolante. O tema fez parte da sua campanha eleitoral e o passo está previsto desde 1995, quando uma maioria republicana no Congresso impôs a Bill Clinton o chamado “Jerusalem Embassy Act”.
Mas por uma boa razão Clinton, Bush e Obama optaram por sucessivos actos de adiamento: colocar a representação norte-americana em Jerusalém equivale a reconhecer “de facto”, em Washington, o que o mundo inteiro acha prudente não reconhecer – que Jerusalém “é” israelita – politizando uma cidade que deve continuar a ser neutra, porque só neutra ela pode ser de todos.
Uma visão conspirativa da política diria que o culpado é o genro do Presidente, um judeu, ponta-de-lança do poderoso lóbi judaico nos EUA, que nas eleições de 2016 votou maioritariamente em Hillary Clinton e que Trump precisa de cativar para a reeleição em 2020 (altura em que, a cumprir-se o seu plano, a embaixada americana abrirá portas em Jerusalém…).
Pode ser que isto seja verdade, e que este acto de política externa tenha, afinal, uma lógica de política interna, de afirmação presidencial, como o combate ao Obamacare ou o muro contra o México. Mas seja por agenda doméstica, seja porque Trump está mesmo convencido que o reforço do estatuto israelita de Jerusalém é uma opção de futuro, o passo anunciado é, no mínimo, temerário.
Toda a gente recorda como a 2.ª Intifada foi a resposta palestiniana à incursão de Ariel Sharon à Esplanada das Mesquitas, em 2000, e como o 11 de Setembro não distou muito. Se a história se repetir, ninguém ganha com isso: nem o Ocidente nem, sobretudo, o muito martirizado processo de paz israelo-palestiniano.