Ventura muda estratégia “para responder às críticas” e radicaliza discurso
07-03-2024 - 06:44
 • Tomás Anjinho Chagas

Chega recupera temas polémicos e vai para a rua nos derradeiros dias. Ventura procura desestabilizar PSD enquanto se mantém aberto a entendimento.

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Mudança de estratégia ou manifestação de desespero? O Chega está a mudar a tática para estas eleições legislativas. A poucos dias do "dia D", 10 de março, o partido liderado por André Ventura muda o foco, a linguagem e até a agenda da campanha.

Se no arranque da campanha a caravana do Chega só tinha três arruadas previstas (Porto, Braga e Lisboa), nesta última semana a assessoria fez saber aos jornalistas de uma mudança de planos: há mais três arruadas previstas (Évora, Beja e Portimão), duplicando assim o número de ações de género em relação às que já estavam previstas.

No arranque da campanha, Ventura justificava a escassez de arruadas na campanha por já ter feito “muitas” desde que o Governo caiu, em novembro. Na semana passada garantia que não tinha “medo da rua”, mas que a estratégia estava delineada: a aposta era nos almoços e jantares-comício, onde o líder do partido escolhe o tema. Afinal, não estava fechada a fórmula.

À medida que o calendário aperta, o Chega foi descendo para o Sul e no Alentejo optou por ajustar a estratégia e voltar às ruas. A justificação pública? O tempo. “Sentimos que o tempo estava bom para isso também, ao contrário do Norte do país”, disse André Ventura durante uma arruada em Évora, uma das que não estava inicialmente prevista.

É para responder às críticas”, revela uma fonte do partido à Renascença. A ideia é demonstrar que André Ventura não teme a imprevisibilidade inevitável que existe em arruadas. A decisão não se prende com sondagens internas ou externas, garante a mesma fonte.

Primeiro moderar

O Chega tem feito um enorme esforço para lutar contra o chamado voto útil. As palavras e os temas escolhidos denunciam isso no "sprint" final, além da mudança de planos.

Os dias passam e o discurso muda. No arranque da campanha eleitoral, André Ventura optou por colar constantemente o PS ao PSD e apresentar-se como a alternativa aos partidos de sistema, e como catapulta lembrou a forma como o Governo da República (PS) e o governo da Madeira (PSD) caíram emaranhados em suspeitas de corrupção.

O Chega está apostado desde o primeiro dia em colocar os dois maiores partidos no mesmo saco e a justiça foi das maiores armas de arremesso. Logo depois aproveitou a aparição de Passos Coelho para desestabilizar a direção de Montenegro no PSD. Mas uma das principais medidas que defendeu foi o maior “choque de dignidade” aos pensionistas, ao propor que todas as reformas atinjam, pelo menos o valor do Salário Mínimo Nacional.

Depois de passar por temas como a imigração, a abolição das portagens ou a agricultura – que são áreas para as quais outros partidos também têm propostas – o Chega virou o ponteiro na segunda semana de campanha.

Prisão perpétua, segurança, eleições em causa

A guinada foi evidente e deu-se no fim-de-semana passado: Ventura questionou o processo eleitoral ao mencionar problemas na votação na África do Sul (depois desmentidos) e ao denunciar a intenção de um membro de uma mesa de voto em Aveiro que terá ameaçado anular os votos no Chega e na AD. Já esta terça-feira pediu a demissão de Fernando Anastácio do cargo de porta-voz da Comissão Nacional de Eleições (CNE).

Esse foi o tiro de partida de uma mudança e subida de tom evidente. Outro tema raramente tocado por outras forças políticas e escolhido como alvo nesta segunda semana foi a segurança. Ventura diz querer “tornar Portugal um país seguro”, mesmo que o país esteja em sétimo no ranking mundial dos mais seguros.

No mesmo discurso, em Santarém, André Ventura recuperou uma bandeira antiga do Chega mas que permanecia intocada nesta campanha: as penas de prisão perpétua.

Desgastar PSD

Ainda com o pé no acelerador, o líder do Chega aproveitou uma entrevista que deu à RTP para voltar a lançar a confusão sobre o que pensa o PSD.

Ventura mencionou “forças vivas” dos social-democratas, referindo-se a Pedro Passos Coelho, Miguel Relvas, Ângelo Correia e Rui Gomes da Silva como pesos do PSD que defendem um acordo com o Chega no pós-eleições, por oposição ao “não é não” de Luís Montenegro. Relvas e Ângelo Correia vieram a público desmentir, Rui Gomes da Silva confirmou, Passos permanece fechado em copas.

Em diversos discursos referiu-se à comunidade cigana – tema que o catapultou para o panorama político quando era candidato do PSD à Câmara de Loures, em 2017 – e voltou a usar uma expressão que parecia ter abandonado: “portugueses de bem”.

A estratégia é simples: lançar areia para a engrenagem laranja para remar contra o voto útil. Para o efeito, Ventura usa todas as armas que tem à mão. O alvo tem sido repartido entre o PS e o PSD, sempre com a narrativa de que os dois maiores partidos são “exatamente iguais”.

Terça-feira, durante uma arruada em Évora, disse aos jornalistas que tem “99% certezas” que em caso de maioria de direita vai haver solução e que caso Montenegro a rejeite “por capricho”, vai ser empurrado da liderança do PSD – sem nunca explicar como.

Já esta quarta-feira, durante um jantar-comício em Olhão - onde contou com a presença de Santiago Abascal, líder do Vox - André Ventura sugeriu que as pessoas que tencionam votar no PS deviam "tomar a medicação" e prometeu que, se vencer as eleições, Lula da Silva não virá a Portugal no 25 de abril e assegura que vai prender o presidente brasileiro se ele insistir.