São 320 páginas de fotografias e histórias a preto e branco, com olhares de pessoas em dificuldades nos quatro cantos do mundo a interpelar o leitor. Mas a mensagem é de esperança e não de miséria. "Toda a Esperança do Mundo", do jornalista Luís Pedro Nunes e do fotojornalista Alfredo Cunha, é apresentado esta sexta-feira, às 18h30, na Fnac do Chiado, em Lisboa.
O livro inclui reportagens na Roménia, no Níger, no Bangladesh, na Guiné-Bissau, em Portugal, no Sri Lanka, no Iraque, no Haiti e no Nepal. As reportagens, feitas a convite da AMI, foram feitas quase todas em 2014.
A obra assinala o 30.º aniversário da AMI, que receberá dois euros por cada exemplar vendido (custa 39,90€). Fernando Nobre, fundador da instituição, descreve o trabalho como "o objecto de arte mais perene do que foram as intervenções e preocupações" da AMI nestes anos.
Já o jornalista Adelino Gomes, que assina um dos prefácios, compara-o a uma viagem pela "geografia humana do sofrimento, da dor e da esperança". O outro prefácio é do também jornalista José Manuel Barata-Feyo.
Depois de Lisboa, o livro será apresentado no sábado, às 16h00 no Espaço Mira, no Porto, onde será inaugurada uma exposição com uma selecção de fotografias impressas em tamanho grande.
As crianças "irrecuperáveis" da Roménia
"You must be strong." Em inglês, na Roménia. O aviso estava feito. Num exíguo gabinete, o director da Camin Spital de Bîlteni alertava deste modo os seis portugueses da equipa da AMI, acabados de chegar de uma viagem de 380 km, vindos de Bucareste. O objectivo que os levara a deixar Portugal - o emprego, o quotidiano e a família - estava apenas a dois lances de escadas. Lá em cima, vegetavam 126 crianças deficientes que o regime de Ceausescu marcara com o ferro do "nerecuperabili". Irrecuperáveis.
Vidas escravas no Níger
Há uma casota a que chamam escolinha com meninos e meninas. Mas é uma aldeia de escravos. Peço para dois deles escreverem o nome num papel. Mais tarde, numa foto, vejo as suas caras de terror, sem perceberem o que se estava a passar, as meninas na sala de bracinhos cruzados sobre o peito, como se estivessem à espera de ser levadas. Ao primeiro embate, violento como um choque eléctrico, custou a assimilar a inominável ideia - "esta gente é escrava" - mas a imagem veio comprovar ao que equivale essa condição. A ausência de possibilidade, desde a nascença, de ascender a um estatuto sequer jurídico de ser humano. Um escravo não é uma pessoa. Nem sequer um animal de estimação.
Bangladesh, o país que se vai afundar
Estes bairros da lata não se vão formando só nas periferias, antes escondem-se nas entranhas da cidade. Por vezes, parece que é só uma viela. Entra-se e passada uma estreita ranhura entre prédios abre-se uma zona de casotas de tábua e telhado de zinco, em terrenos de lama e laje. Se forem hindus, terão porcos a viver ao lado da barraca. Se não tiveram apoio de nenhuma ONG, o esgoto a céu aberto de dejectos humanos misturar-se-á com o dos porcos e o azedo da comida dos animais, que atrai moscas. As pessoas estarão na sua vida a conversar, a cozinhar, a lavar-se na água que sai das bombas.
As bebés mutiladas da Guiné-Bissau
Há assuntos que ninguém quer saber em detalhe. Não é preciso ter um ponto de partida: nesta história não há "bons" nem "maus". Aliás, como podem os pais de meninas recém-nascidas sujeitá-las à mutilação clitoriana? Não se está a falar de uma ou duas "situações", mas de uma prática banal que se está a expandir, de "milhares de casos" essencialmente no Leste da Guiné-Bissau. É que se para "nós" a excisão em bebés é um atentado aos Direitos Humanos, aqueles pais estão longe de ser monstros ou fanáticos religiosos que estão conscientemente a fazer mal às suas meninas. Pelo contrário.
Retrato da pobreza em Portugal
Os pobres, onde estão os pobres? Têm de estar nalgum lado. Sejamos provocadores, estrangeiros no nosso país. Onde estão as hordas de pobres, a crise humanitária e a implosão social que espelhem os números dos que foram triturados pela tragédia da crise? Rondamos à noite pelas cidades e há alguns sem-abrigo. Perguntamos aqui e ali onde são os pontos em que se juntam a dormir, como a estação do Oriente. Diz um sem-abrigo, dos que está ao frio à espera de uma sopa, numa das muitas noites em que lá estivemos: "Só dorme na rua quem quer". Outra frase que se ouviu muito: as cidades estão a expulsar os sem-abrigo dos centros históricos e das zonas das lojas caras. Ninguém quer aquelas imagens de homens a dormir na rua em papelões.
O mar assassino do Sri Lanka
A ilha do Sri Lanka tem ironicamente a forma de uma lágrima. Fica na pontinha final da Índia, ancorada ao lado oriental - mas é diferente da Índia. Os portugueses baptizaram-na de Ceilão em 1505 e deixaram lá marcas ainda presentes, quer em termos físicos (é esmagador ver como construíram fortificações nas pontas da ilha), quer genéticos. Balthazaar é um "Burgher Portuguese". Aquele bairro era quase todo "português". Há dez anos, foi a primeira linha, a zona de "peito", em que o tsunami embateu em todo o Sri Lanka.
Vidas suspensas no Iraque
O primeiro impacto é o frio, o frio, o frio, vento que rabeia maluco como facas invisíveis, o chilrear aqui e ali em vários pontos de crianças a brincar, o som de utensílios de cozinha (uns pratos, umas mulheres a fazer massa de pão). E frio.
Soltei uma pergunta parva.
- Onde estão as pessoas? Não era suposto serem 60 mil neste campo?
(Um dos directores do campo intrigado com a pergunta.)
- Estão dentro da tenda a abrigar-se do frio.
Haiti, bem-vindo ao caos
Quando se chega tem-se alguma dificuldade em acordar o cérebro para o que ali se passa. O silêncio. A desolação. As barracas espalhadas pela calvície da montanha. O aspecto abandonado. O desprezo e a descrença com que somos olhados. Só mais de uma hora depois, Pierre, um ex-motorista da capital, deixa cair a sua história. E sai em golfadas. Ex-emigrante nos EUA. Vida sofrida em Port-au-Prince até ao grande sismo. Exilado para ali. Deram-lhe 20 metros quadrados de terra seca numa encosta íngreme. Não há água. Electricidade. Nem escola para os miúdos. Muito menos emprego. Não perguntem como sobrevive. Ultrapassa sempre a nossa compreensão.
O tecto do mundo desabou no Nepal
Uma mulher contra toneladas de destroços. Estará mesmo convencida de que irá conseguir à mão, sem ajuda homens ou maquinaria, reconstruir a sua casa? Mais do que David contra Golias, parece Sísifo a empurrar o rochedo montanha acima: uma tarefa absurda. Mas a mulher está quase tranquila no modo como agarra dois tijolos de cada vez e os leva de um lado para o outro. Quando os pousa com gentileza, para que não se partam, há um som seco que perturba uma banda sonora de normalidade: pássaros, crianças a brincar ao longe, velhos muito velhos a tagarelar. E ali está ela. Numa luta pausada. A tentar arrumar uma casa esmigalhada numa rua arrasada pelo sismo que destruiu parte do Nepal e fez, dizem, uns 8 mil mortos.